segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Fevereiro de 2008 - Nietzsche e os Ressentidos



Num momento de grande nostalgia, de volta a minha cidade natal e ao apartamento onde vivi de 1996 até 2008, muitas memórias vem à tona, e até o desejo de mexer em coisas há muito tempo esquecidas em algum canto da mente... e do computador.

Acabei encontrando um texto que escrevi em fevereiro de 2008, supostamente uma postagem em um blog que eu junto com dois amigos criávamos na época, mas que acabou nunca andando. Talvez ali estava o germe do "espaço para ideias espaçosas". O texto trata de uma reflexão sobre o ressentimento na sociedade contemporânea, e ele me revelou coisas sobre o que eu penso hoje de uma forma impressionante.

O mais interessante foi ver que essas reflexões foram realizadas por um Wagner que sequer tinha estudado Economia a fundo (tinha feito apenas 1 ano de curso), mas que já demonstrava interesse por temas tão caros a essa ciência, em especial no que tange suas abordagens críticas. Isso sem contar o interesse pela psicologia, que se impõe pelo próprio tema discutido. A dupla via entre indivíduos e sociedade e a complexidade dessas relações já eram objeto de instigação em plenos 18 anos de vida.

Já tinha uma preocupação com a questão da educação e já via uma questão ética contraditória no capitalismo. Existe um código ético/legal que emerge do modo de produção capitalista, no entanto o próprio sistema impele a comportamentos “anti-éticos”? A relação entre ética e capitalismo é também contraditória... deixei essa parte em evidência em negrito no texto.

Enfim, reproduzo o texto na íntegra. Obviamente que se eu fosse escrever sobre o assunto hoje, o texto seria totalmente diferente, sem no entanto perder a essência de muitos desses insights. Geralmente quando eu leio um texto escrito por mim a muito tempo atrás eu tenho vontade de jogá-lo no lixo. Esse foi diferente. Esse eu tive vontade de postar no blog.

***

"Nietzsche e os Ressentidos - Fev/2008"

O mundo de hoje passa por várias modificações e processos que sempre viabilizam a rapidez, a tecnologia e o capital. Nesse mundo não há espaço para todos, ou seja, há vários que são excluídos do modo como a sociedade evolui, mas sempre a globalização torna a envolver tudo numa perspectiva pragmática da evolução das técnicas de produção e das relações sociais. Como em qualquer outra sociedade, o capitalismo gera diferentes estereótipos humanos, sejam os consumistas, os roqueiros, as patricinhas, os “emocore”, enfim, aquela coisa que todos nós vemos e revemos todos os dias. Nessa discussão pretendo focalizar um desses estereótipos criados pela nossa sociedade...”Os Ressentidos”.

Primeiramente, o que são os ressentidos?

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Recorro a Nietzsche para me ajudar nessa definição. Ressentido é aquele indivíduo que, por não conseguir exteriorizar um sentimento por alguém ou em relação a alguma situação qualquer, tem o sentimento retornado para si mesmo (por isso Ressentimento, o “RE” traz a semântica de “retorno”). Esse retorno só pode dar-se de forma negativa, pois, ao retornar, o indivíduo começa a se fantasiar, a ruminar antigos pensamentos e idealizar, o que o afasta da sua realidade e do mundo que o cerca.
 
Ainda recorrendo a Nietzsche, que se autodenomina 'O Psicólogo' por investigar principalmente a alma humana, observamos que o ressentido também sente aquilo que qualquer humano pode sentir: a inveja, o ódio, a raiva, a cobiça, porem prefere não exteriorizar esses sentimentos e acaba por planejar aquilo que Nietzsche chama de 'vingança adiada', que é uma vingança que o indivíduo trama contra a situação que o atordoa, porem nunca a executa, vivendo numa eterna fuga a fantasia. 

Agora, complementando Nietzsche, o ressentido também é aquele que, por ter vivido enclausurado pela guarda dos pais enquanto criança, não conheceu os desafios do mundo, e sempre foi bem amado e exige do mundo o mesmo. A isso denominamos 'covardia moral'. Termino aqui minha paráfrase acerca dos conhecimentos de Nietzsche, agora parto para uma relação mais profunda.


Tendo definido e analisado o ressentido, agora pensamos: qual a relação desta psicologia e a nossa sociedade capitalista mencionada no início deste texto?

É um raciocínio simples. Veja como o ressentido não está pronto para os desafios que o mundo oferece. Se na época de Nietzsche isso já era muito próprio, imaginemos na nossa sociedade, que jamais pediu tanto de nós humanos para sermos máquinas de trabalho e geração de capital e consumo (não que naquela época as coisas eram mais fáceis, mas hoje elas acontecem de modo mais apressado). Aquele que, por ter vivido sempre na cúpula do amor familiar e agora é covarde para enfrentar este mundo se torna ressentido. 

Voltemos à definição: o ressentido é aquele que não consegue exteriorizar os sentimentos e por isso, volta pra si mesmo. Se, vivendo sob uma superproteção familiar, o indivíduo não desenvolveu a coragem, também não pode ter desenvolvido completa sociabilidade, e, portanto, não sabe como exteriorizar seus sentimentos em relação à dura realidade do mundo atual, e, então, volta o sentimento pra si mesmo, de forma negativa e começa a se isolar do mundo. Como Lord Byron diria, temos mais uma vez os ultra-românticos, envolvidos pelo tédio existencial. 

A nossa sociedade capitalista se torna cada vez mais característica pela presença de ressentidos. Aumenta a procura por livros de auto-ajuda e por antidepressivos, o que, com certeza, não cura uma má formação familiar (até porque atualmente, no Brasil principalmente, a educação não tem o valor que deveria ter). O ressentido não tem coragem para enfrentar o que o mundo assegura para sua vida, não tem vontade de seguir em frente, vive um eterno mundo interior idealizado, é derrotado pelos desafios sociais.

A solução para isso?

Talvez os filhos não devessem ser criados com exacerbado amor e abrigo e serem formados para o mundo que os espera. Infelizmente, o mundo capitalista exige de nós algumas coisas que, se não as fizermos, nos tornamos ressentidos fracassados.


Agora, concluindo essa discussão. 

A sociedade cria certos valores para serem seguidos, algo exterior aos indivíduos, mas não podemos negar que a sociedade também adquire diferentes paradigmas de acordo com as vontades dos indivíduos. A sociedade capitalista exige trabalho e dedicação profissional máxima (ou em alguns casos, falta de honestidade!) mas também cria máscaras para os problemas criados dentro dela mesma. Os ressentidos surgem a partir de um valor social que não foi seguido como a sociedade previa (isso não significa revolta, me refiro à preguiça intelectual) e ganham máscaras sociais, ou remédios que não fazem efeito social, os livros de auto ajuda e os remédios antidepressivos estão aí. 

"O ressentido é o escravo que não consegue impor sua vontade". (Friedrich Nietzsche 1844-1900) 

Agora fica com vocês meus amigos, analisarem e serem convictos a partir dessa discussão sobre os ressentidos. 

E deixo uma vinheta: 
Ditados populares às vezes devem ser lidos mais de uma vez: 
*É melhor prevenir do que remediar*

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Mudança Climática é... Veblen!


Para quem teve o prazer de fazer alguma disciplina com o Prof. Octávio Conceição (UFRGS), provavelmente não sentiu falta de familiaridade com o título. Para os que não tiveram esse prazer, não se preocupem, o resto da postagem não exige esse pré-requisito.

No entanto trata essencialmente da capacidade que esse professor tem de provocar brainstorms e insights interessantes nos alunos. E mais, da capacidade que a abordagem institucionalista por ele advogada tem de fornecer um arcabouço interessante para entender os mais diversos problemas da sociabilidade humana. Suas aplicações possuem um horizonte de perder de vista.

Eu me vejo interpretando as coisas com esse background o tempo todo! E essa postagem vai servir, para além de publicar um desses insights que tive, como uma homenagem à essa figura lendária da Economia da UFRGS. Atento para o fato de que se trata de uma maneira pouco rigorosa de usar a abordagem institucionalista para jogar luz num problema, pois é assim que escrevo no blog. Se fosse pra ser rigoroso eu teria feito um artigo científico...bom, até que não é má ideia!

...

Essa postagem também poderia se chamar "O problema da Autoridade Internacional e a Soberania dos Países: uma perspectiva institucionalista diante da Mudança Climática". Mas além de muito grande, é muito acadêmico. Mas bom, acho que cumpriu a função de introduzir o tema.

Existe evidência que os indivíduos vivendo em uma sociedade criam instituições para regular suas interações. A perspectiva mais ampla dessa ideia, voltando aos primórdios do pensamento do Thorstein Veblen, advoga que instituição pode abarcar desde regras formais, organizações burocráticas até hábitos de pensamento compartilhados por um grupo de pessoas, a linguagem, normas implícitas, informais, padrões de comportamento, etc... Trata-se de qualquer aparato socialmente gerado pela interação dos indivíduos (que "emerge" dessa interação) e que volta a exercer uma influência nessa interação, seja limitando, restringindo a ação individual, mas ao mesmo tempo expandindo e possibilitando que certas ações possam acontecer.

Thorstein Veblen não era conhecido pela elegância

A linguagem pode ser um exemplo bem didático de entender isso. Os seres humanos a criam como um meio para se comunicar. Afinal, como iriam se comunicar se não criassem a linguagem? (linguagem é mais amplo que língua, vale ressaltar - meu amigo linguista oficial pode me corrigir se eu estiver errado!). Esse mecanismo criado exerce uma influência "expandindo" sua ação: agora ele pode se comunicar com os outros e ser entendido! No entanto ela ao mesmo exerce uma influência limitante: um determinado código só pode ser entendido por um grupo limitado de pessoas. Exemplo básico: se você fala português, você só pode exercer a ação de se comunicar em português com pessoas que também conhecem esse código. A limitação é necessária para a expansão, elas andam juntas.

Acho que posso induzir que os seres humanos animais racionais e sociais não podem viver sem criar instituições. É algo inerente do seu caráter de viver socialmente. Pra usar uma célebre frase do nosso professor supracitado "junta dois indivíduos e você já tem uma instituição!". A grande questão surge: porque criamos instituições? Me parece que elas surgem do fato de surgirem "problemas sociais" para resolver. Pra continuar no exemplo da linguagem...surge o problema da comunicação com o outro, a instituição surge pra resolver esse problema. Logo, a interação dos indivíduos gera constantemente problemas para resolver e, como resultado, instituições.

Passei muito rápido e foquei num ponto específico do pensamento institucionalista, mas a ideia era...só trazer a ideia! Ainda teria muito mais coisa pra comentar sobre isso. Mas, prossigo!

Com um pouco de medo de estar colocando "Uberlândia dentro de Araguari" ou "Porto Alegre dentro de Canoas", eu me arrisco a dizer que dá pra usar este framework de análise pra jogar uma luz no processo pelo qual os indivíduos criaram autoridades centrais, organizações poderosas e fortes que congregam e legitimam demais instituições, essencialmente, os Estados como conhecemos hoje. Alguns autores clássicos da Filosofia Política formularam teorias nesse sentido (poderíamos nos referir aos contratualistas, por exemplo). Eu diria que é uma forma de teorizar sobre o Estado como uma instituição, assim como a Ética, o código de Leis, etc...

Meu objetivo não é formular uma teoria que exija um pressuposto forte sobre a natureza humana (como o faz Hobbes, por exemplo), mas tampouco usar a evidência que temos da observação filosófica de que os seres humanos desenvolvem mecanismos de autoridade. Isso parece uma constante na vida humana em sociedade. Os psicólogos sociais tratam isso como um traço essencialmente humano e estudam formas de entender como isso acontece. A pergunta mais difícil seria porque isso acontece. Vou confessar com certo derrotismo que não é essa pergunta que procuro responder, pois me parece quase óbvio dizer que quase toda forma de sociabilidade humana gerou alguma figura central de autoridade (que assume diversas formas, sendo o Leviatã hobbesiano apenas uma dessas formas possíveis).

Sequência lógica do argumento: problemas sociais surgem da interação dos indivíduos > indivíduos criam instituições > instituições regulam a ação dos indivíduos. Ressalto: essas instituições não necessariamente resultarão em "arranjos eficientes", afinal existe muita incerteza quanto aos seus resultados e nada está dado a priori. Tudo depende de como se dará a adequação dessas instituições...o que acontece num processo muito semelhante à evolução biológica: com seleção, variação e adaptação (esse insight não é meu, é do Veblen e muito desenvolvido por Geoffrey Hodgson).

Hora do pulo radical.

No lugar do problema social, colocarei a Mudança Climática e no lugar dos indivíduos colocarei os países. NONSENSE! Que coisa bizarra que você fez! Sim, é por isso que estou escrevendo no blog.

Estudando um pouco sobre regulações ambientais em nível internacional, convenções, etc.. percebi que está acontecendo um processo institucional típico para com essa questão. As evidências "cada vez mais evidentes" da Mudança Climática constituem um problema social daqueles (não vou abrir esse tópico, gastaria muito mais texto do que já tem). Grande, incerto e global. Bem mais difícil de resolver do que "quem vai levar o filho na escola hoje" ou mesmo do que "qual será a taxa de juros", por envolver não 2, nem 190 milhões, mas 7 bilhões de pessoas (e mais alguns bilhões que não nasceram).


Diante do problema, o que os indivíduos fizeram? Sim, criaram instituições. Ou pelo menos tentaram...passa ano e mais ano, convenções são realizadas sobre o tema, tentativas de acordo falham, países se comprometem, outros não, protocolo de Montreal dá certo e protocolo de Kyoto não, enfim... O processo evolucionário das instituições está acontecendo para todos verem!

A questão é que os debates que geram essas instituições acontece entre partes que são, na verdade, representantes de países inteiros, cada um com a sua soberania. Soberania é o direito de autodeterminação e autoridade sobre o próprio território que os países possuem. Como cada país é soberano, não existe possibilidade de obrigar ninguém a fazer alguma coisa em uma esfera "supranacional". Por isso os Estados Unidos simplesmente não assinaram o protocolo de Kyoto. Logo, digamos, as instituições são meio "capengas", porque não servem de fato para resolver o problema. Mas não é nada fácil chegar a um acordo! Poxa, se um acordo entre duas pessoas já é difícil, imagina entre vários países inteiros? É, mas isso é necessário.

Observei mais cedo que as sociedades humanas desenvolvem algum tipo de autoridade central. Me parece que estamos aos poucos encaminhando para isso mais uma vez. Talvez desenvolver uma autoridade acima da soberania de cada país seja necessário para criar acordos formais para além de regras informais, mecanismos que possibilitem adaptação e adequação à regras. E sim, um mecanismo de enforcement e punições quando necessário. É o preço que se paga para se ter um determinado benefício (no caso, combater a Mudança Climática e preservar a sobrevivência humana mais um tempo no planeta). Os acordos que temos são fracos, não possuem legitimidade porque não existe uma instituição capaz de referendar isso. Quando se lê algum documento da UNFCCC dá pra perceber que não existe nem regra de decisão para votações: só acontece alguma coisa quando há consenso geral. Assim, só precisa de uma opinião contrária para haver veto. Nessas condições, não há como o processo institucional andar na velocidade compatível à do problema da Mudança Climática.

Eu sei que tenho que tomar muito cuidado pra falar essas coisas. Daqui a pouco vem gente me acusar de estar advogando por uma "ditadura da ONU" ou "mecanismo de legitimar a influência dos EUA nos países", etc... Com certeza a maior limitação desse problema é o fato de que as "partes" dos acordos são completamente heterogêneas e possuem influência e poder completamente díspares. E o resultado disso poderia ser bizarro (Veblen já chamava atenção para a possibilidade de imbecile institutions).

No entanto, o objetivo da postagem é chamar a atenção para algo observável... se é historicamente verificável que criamos instituições que exercem autoridade para resolver questões sociais, não seria a Mudança Climática um desafio para se fazer isso em nível global? A grande questão seria como criar um mecanismo institucional que exerça autoridade internacional mas que não seja capturado pelos interesses de alguma parte? (esse é um perigo que envolve qualquer instituição e de fato acontece em certos Estados Nacionais).

Um caminho possível é o caminho que a gente já conhece. Não dá pra receber algo sem dar algo em troca...abrimos mão de certas "liberdades" para garantir outras "liberdades". É muito díficil mexer em coisas tão "imexíveis" como é o caso da Soberania Nacional, mas talvez seja necessário limitá-la para que certas ações possam acontecer. Existe um debate dentro do Direito Internacional e mesmo da Filosofia Política sobre a necessidade de um Estado Mundial contra algo como uma "Comunidade Internacional". Sem entrar muito nesse debate, a ideia é sinalizar que alguma autoridade precisa existir. Muito cuidado novamente, não se trata de "autoritarismo", mas de haver algum mecanismo institucional que garanta o cumprimento de um acordo.

Talvez eu esteja traçando um cenário ideal, mas acho que o processo institucional envolve mecanismos de aprendizado. As muitas tentativas (fracassadas) de acordos sobre Mudança Climática revelam um processo de aprendizagem. E parece possível observar uma trajetória rumo à criação de alguma autoridade internacional, mesmo que os interesses nacionais ainda falem muito alto nessas discussões. A Mudança Climática exige que pensemos o ser humano como uma espécie só, apesar das diferenças. Exige uma resposta global e não de alguma nação específica.

Por fim, apenas uma observação. Instituições têm uma função primordial: servir de guia para atuação diante da Incerteza. Se eu não sei se você vai me matar e se você não sabe se eu vou te matar, talvez o melhor é estabelecer uma regra em que não podemos matar, assim a gente pode viver. Se eu não sei até que ponto posso poluir e você também não, talvez o mais adequado seja criar um mecanismo que evite que se polua, até porque ainda não sabemos direito que consequências isso pode ter. Assim concluo dizendo: Mudança Climática é, essencialmente, um problema social e institucional.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Unanimemente vago, vagamente unânime: os economistas e as coisas que eles não explicam e não querem explicar

Escrevo sem me basear em nenhuma evidência empírica e sem nenhum rigor científico. O que escrevo beira a escrita ensaística por um lado e o mero devaneio por outro. Mas não é nada abstrato, é pelo contrário bastante concreto e vivido diariamente. Uma construção que emerge da observação acumulada dos dias, a erupção de um vulcão que vinha juntando magma a algum tempo, cujas cinzas ainda estão sendo jorradas no ar.

Às vezes os economistas me deixam triste. Eu não diria decepcionado, mesmo porque a gente se decepciona quando a gente espera de alguma coisa mais do que aquilo que ela de fato oferece. Eu, pelo contrário, acho que nunca esperei demais da Economia como Ciência, pois sempre fui (e ainda sou) entusiasta do encontro dessa com outras disciplinas. A tristeza mesmo se refere à insistência do debate em apertar as mesmas teclas de sempre, seja de um lado ou de outro do rio; à constante tentativa de deslegitimar ideologicamente outrem e de deixar de lado determinada informação relevante; à mania de reverter as informações aos seus anseios; à constante, aparentemente corriqueira, incessante inversão de meios e fins da atividade econômica no discurso.

É triste porque eu vejo esse tipo de coisa acontecer em todo momento, em todo lugar. Sempre me esbarro eu alguém fazendo isso. E sempre me pergunto se sou eu que estou no lugar errado ou se essa ciência sofre de algumas deficiências sérias.

Boa parte das complicações são resolvidas pelo fato de se tratar de uma ciência que lida com o político, com os interesses de cada um dentro do arranjo social e que algumas coisas são decorrência natural desse fato. Mas às vezes me pergunto se ainda dá pra chamar isso de ciência. Intuitivamente algumas coisas me soam muito anti-científicas. Digo intuitivamente porque pra ser rigoroso eu precisaria primeiro definir o que é ciência e depois dizer se isso é ou não usando determinados critérios. Eu não estou trabalhando com tal nível de rigor, estou apenas tendo uma intuição de que alguns discursos são baseados muito mais em interesses e ideologia do que propriamente em uma construção cientifica capaz de explicar a realidade.

A economia ajuda a explicar a realidade? Sim, mas também atrapalha às vezes. Atrapalha quando se coloca um véu ideológico pra tentar explicar a realidade, subvertendo-a ao prazer das vicissitudes da ideologia. A troco de que? Eu fico imaginando se um economista tem algum tipo de prazer etéreo quando acerta alguma previsão ou quando vê algum fato comprovando que sua "teoria" está certa. Porque essa obsessão por dizer que sua teoria é melhor que a outra? O que nos humanos provoca esse tipo de busca incessante? E porque muitos são tão inflexíveis e incapazes de reconhecer sua própria incapacidade?

Os economistas são mais pretensiosos do que muitos outros cientistas quando sua própria dita "Ciência" é muito menos acurada do que as naturais, por exemplo, pelo simples fato dos fenômenos naturais não incorrerem em problemas políticos/ideológicos. O ciclo da água funciona de um jeito e pronto. Você pode até provar que funciona de outro jeito e ponto, mas se isso acontecer, a outra teoria cai por terra. e pronto! A economia não funciona assim e nunca vai funcionar assim, essa é uma de suas particularidades. Então é uma área em que os cientistas deveriam ser bem menos pretensiosos, mas não parece ser bem isso que acontece.

Pretendo fugir do famigerado contraste entre "teoria convencional" e "abordagens heterodoxas" aqui, porque vejo tais questões, como disse, tem todo lugar, em todo momento. Mas algo que vale ressaltar é que mesmo esse debate é um debate essencialmente político. É uma disputa de poder, antes de mais nada. Fico me perguntando e imaginando o que aconteceria se as teorias alternativas se tornassem mainstream e vice-versa.

Todas falham ao ver o homem como meio. Como uma ciência humana (será que é mesmo?) coloca o homem como meio? Claro que qualquer um vai dizer que isso é uma falácia, mas fazem isso o tempo todo sem nem se darem conta.

Acho que todo economista deveria se fazer um exercício socrático, uma sequência de perguntas que não chegam em uma resposta final, mas constroem algo na cabeça do indivíduo, de modo a perceber a circularidade de alguns raciocínios e à fuga ao entendimento dos objetivos primordiais da atividade econômica.

"Os dilemas da Economia Brasileira"...deeeesde a década de 1980, o Brasil nunca teve altas taxas de crescimento quanto mais de forma sustentada... olha a China, que beleza, o Brasil nem chega perto do que acontece lá! O que fazer? geralmente essa pergunta é respondida olhando para os determinantes do crescimento. Alguns vão dizer: precisa ter indústria! Outros: precisa especializar naquilo que se tem vocação! Ainda: precisa tirar o Estado e deixar o mercado regular a estrutura de preços relativos. Ademais: precisa ter planejamento e investimento de longo prazo, etc etc etc... até coisas do tipo: "precisa investir em educação" e "precisa diminuir a desigualdade de renda".

Peraí.

Qual o fim de tudo isso? Fazer a economia crescer? Tá, mas pra que fazer a economia crescer? Pra ter mais emprego e renda? Pra que ter mais emprego e renda? Pra ter mais bem-estar? Mais bem-estar...tá, pra quem? Pra todo mundo? O ideal é que seja, supondo que seja, pra que mais bem-estar? Pra satisfazer os anseios e desejos dos indivíduos... é inevitável que o fim esteja no próprio homem. Enquanto isso a "Ciência" Econômica só discute os "determinantes do crescimento". O fim da atividade econômica e da própria ciência é o crescimento.

E não quero cair no debate famigerado entre a diferença entre crescimento e desenvolvimento porque mesmo quem advoga pelo desenvolvimento acaba caindo na mesma falácia da desvirtuação de meios e fins. Dizer que o mero crescimento sem "mudança da estrutura produtiva" ou "efeitos de encadeamento" ou que seja "desenvolvimento de tecnologia internamente" não é desenvolvimento implica propriamente dizer que o fim do desenvolvimento acaba sendo também uma questão meramente "macroeconômica". E mesmo quem fala de educação (vulgo capital humano) ou de políticas sociais, etc tenta mostrar como isso tem um impacto positivo pro desempenho dessa coisa chamada "Economia".

"ah, é importante pensar em educação, em democracia, liberdade, sustentabilidade ambiental. Tudo isso é muito bonito e ninguém discorda disso, mas nada disso acontece sem garantir uma base material, sem ter indústria, sem ter desenvolvimento das forças produtivas"...

[É muito bonito, mas não é tarefa de economista. Porque o objeto de estudo do economista é a Economia e não o homem. Mas peraí, tem alguma coisa bem errada aí, tô quase entrando em parafuso com isso. Porque existe uma área chamada "Desenvolvimento Humano"? o desenvolvimento não deveria ser, per se, humano? Se existe uma área especifica que estuda isso, as outras não estudam algo "humano". Parece estúpido, mas é isso mesmo, o que as outras áreas da Economia (a grande maioria dos economistas) estudam não é o homem, é uma coisa que parece externa e superior a ele.]

... É exatamente pela negligência desses assuntos, por serem "bonitos" e "unânimes", que essas questões continuam sem ser resolvidas. São exatamente as questões "que não são tarefa de economista" que continuam patinando. São exatamente os fins que estão parados enquanto muito se fala dos meios.

Economistas não param pra pensar nos verdadeiros fins da atividade econômica. Pensar educação, saúde, meio ambiente, política social, nesta Ciência, sempre implica em pensá-los na forma de meios. A importância intrínseca dessas coisas é deixada para outros que falam de coisas "bonitas". Pelo visto os economistas preferem falar de coisas "feias" (o contrário de "bonitas"), sem substância moral mas que carregam toda a importância do debate.

Tudo que é unanimemente aceito acaba por se tornar vago e não sai do lugar. Sou um militante das causas unânimes, ("bonitas", para os economistas), porque são elas que abarcam os fins. Mas pra sair do lugar tem que mostrar que se é importante no discurso também tem que ser importante na prática, o que implica em sair da vaguidão das discussões e construir avanços palpáveis, capazes de (com ou sem crescimento) fomentar os fins da existência humana, revelando o que é possível fazer paralelamente aos "determinantes do crescimento".

Não sou o único deste lado. vide "Prosperity without Growth, Tim Jackson", entre outras obras.
e Vide o círculo da matemática no Brasil.

(reler o primeiro parágrafo).

sexta-feira, 21 de junho de 2013

No Ar

Dia 21 de Junho de 2013, 00h30.

Essa postagem não tem imagem. A imagem é o que será descrito pelas palavras e é o que está na cabeça de cada um que está vivenciando tudo.

Demorei muito para escrever alguma coisa sobre o momento histórico que vivemos. E demorei porque qualquer coisa emitida de forma imediata pode correr o risco de ser completamente equivocada. Mas além disso, viver o calor dos acontecimentos também pode implicar em uma análise enviesada dos fenômenos.

Hoje, após ir à manifestação que houve em Porto Alegre, eu consegui perceber claramente que as opiniões que cada um emite sobre a questão são totalmente determinadas pelas situações que a pessoa vivenciou (ou que não vivenciou). Cada um obtém apenas um relato parcial da realidade, sendo difícil compreender a totalidade do fenômeno que está acontecendo agora. Acho que ninguém conseguirá, no meio do negócio, analisar de forma total e coerente o que está acontecendo. Mais ainda porque não existe espectador imparcial pra fazer isso.

É realmente muito estranho quando você participa de uma passeata que é sim bastante heterogênea, mas é sim também pacífica, e de repente você se vê bem próximo da linha de frente da passeata, nada acontece e você ouve barulhos e vê fumaça. No próximo segundo, pessoas correndo desesperadas. Depois, você vê amigos seus que estiveram ainda mais perto e sofreram fisicamente as consequências de um confronto que não tinha razão alguma para acontecer.

Aí alguém vai dizer que a polícia atacou porque haviam vândalos, baderneiros e não sei mais quem que estava depredando o patrimônio público ou privado. Bom, essa me parece uma visão parcial dos fenômenos - sem querer dizer que a minha também não seja - porque o que vi foi a polícia começando tudo. Rapidamente a manifestação foi dissipada, enquanto que na televisão mostrava um pequeno grupo de pessoas depredando um banco.

Depois, restou o cheiro forte de vinagre no ar. No ar das pessoas decepcionadas. Pessoas que exalaram um ar de ira que é o reflexo mais direto e humano possível da violação de uma liberdade tão básica. A prova mais cabal do clichê "violência gera violência". E aí como não dizer que é legítimo que as pessoas diretamente afetadas se sintam inclinadas a cometer atos de violência? Cheguei à conclusão que é muito fácil defender a bandeira do "apoio a manifestação mas sou contra a violência". Eu mesmo vi pessoas mudarem essa bandeira facilmente quando foram elas mesmas submetidas à violência. Não por uma bandeira "sou a favor da violência", mas a bandeira do "apoio a manifestação" e ponto.

Não me entendam errado, não estou fazendo apologia à violência nem à depredação. A questão é que a existência de violência me parece inevitável depois que houve um estopim inicial. Acabei de ver que a manifestação na minha cidade, Uberlândia-MG, contou com 40 mil pessoas e foi totalmente pacífica. Não houve ação da polícia nem depredação ou vandalismo. Ou seja, é possível haver um protesto sem violência.

Acontece que violência é uma bola de neve que vai piorando na medida em que mais pessoas foram diretamente afetadas por ela. Surge um cheiro de Vingança (para além do de Vinagre) recíproca e destrutiva. E aí julgar a partir de um pedestal me parece muito fácil. O movimento está bem construído e você está contra ou a favor dele. Não existe meio contra ou meio a favor. Você pode sim estar a favor, contudo ver problemas e achar que poderia ser melhor. Mas você continua tendo um "partido" (entendendo partido não como a organização, mas como a escolha de um lado).

Parênteses. Acabo de finalizar a leitura de 1984, de George Orwell. Aquele livro, que pode ser entendido como uma "profecia do acontecido", pode também ser entendido como um meio de chamar a atenção de todos para as possibilidades que se abrem pela sociabilidade humana. As possibilidades mais truculentas e odiosas possíveis.

E aí o que me preocupa mais é a democracia ainda frágil que temos. O espectro da ditadura aparece facilmente numa situação dessas. Eu vejo as manifestações como sendo uma resposta à ainda fraca democracia que temos, sendo uma oportunidade para fortalecimento dessa democracia. Alguns vêem nas manifestações um espaço que se abre para a instalação da ditadura. Pois temos que lutar para que essa manifestação seja uma manifestação democrática e pró-democrática. E ao meu ver ela está sendo!

E eu falo isso mesmo depois de ter assistido à barbárie que assisti. Ela é uma prova de que a ação da polícia tem acontecido quase nos moldes de uma ditadura, em resposta a um movimento que é democrático. Pois imagine o que é viver num local em que você não possui nada pra amparar. Num local onde o ambiente é de que constante latência da ação truculenta. As pessoas se dissipam por medo, pela defesa do seu direito mais básico: a vida. O que é pior? a violência de alguns grupos contra o patrimônio ou a violência autorizada de uma grande massa armada e bem armada contra um grupo de.... pessoas? Qual direito vale mais? à propriedade ou à vida?

Minha visão dos fatos é parcial, como a de qualquer um de vocês. Parcial por que não é total, e parcial porque não é imparcial. Mas hoje, depois de analisar os fatos e opiniões, digo sem apostos: sou totalmente favorável ao movimento e ponto. E minha bandeira principal, que junto às mais variadas bandeiras que compõem o movimento (o que ao meu ver é positivo), é a bandeira da defesa do direito às liberdades mais básicas dos indivíduos, algo que vem sendo constantemente violado no nosso país, que teoricamente é uma democracia.

Ainda estou no ar
No ar revolto
Onde agora só restam ó dores
Cheiros de vinagre
de vingança
e de mudança.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Prepare-se para um Brainstorm


Lá na descrição do blog é possível ler: "Um lugar pra jogar as coisas quando a cabeça se torna um reservatório muito pequeno". É dessa função do blog que pretendo fazer uso neste momento.

Não necessariamente o que se lerá logo abaixo será um Brainstorm. O título da postagem se refere à minha atual conjuntura: estou diante de um grande Brainstorm chamado Dissertação. E a parte mais difícil talvez seja exatamente essa: ter a ideia e concretizar a ideia. Estou a alguns dias matutando pra tentar chegar na melhor maneira de operacionalizar isso, mas tem sido difícil. Por isso, meu velho amigo blog está aqui para me ajudar nessas horas! E claro, uma boa oportunidade de tornar meus pensamentos públicos, de modo que mais pessoas podem ver e quem sabe fazer suas considerações.

E que fique bem claro, o que vou escrever aqui não é o tema da Dissertação, é apenas um monte de insights malucos, dos quais, quem sabe, será possível tirar o tema.


A primeira grande pergunta que eu me fiz várias vezes é a seguinte: o que é necessário para que o ser humano utilize da sua capacidade de se prevenir? Ou, o que pode fazer com que os seres humanos atuem de forma precaucionária, ou seja, se antecipando de um futuro possivelmente catastrófico? Trazendo pro debate ambiental, que é o que estudei na monografia e, posso dizer sem medo, é o assunto que me mais me chama atenção, nós já temos evidências bastante fiéis de que o ser humano está provocando na Terra um impacto além do suportável, prejudicando as condições objetivas do futuro. E porque mesmo diante dessa constatação as pessoas parecem ainda não se preocuparem de fato com isso? Acho que posso ir mais longe e dizer que não é que as pessoas não se preocupam: as instituições não se preocupam: as empresas, os governos, etc. Claro que estou generalizando, é evidente que existe um movimento ainda pequeno de busca por uma orientação mais precaucionária, mas acho que a regra geral ainda não é essa.

Me parece que é muito mais factível falar do aquecimento global quando está quente. Claro, isso é uma frase estúpida, mas o que quero dizer é que quando a gente sente na pele a gente pode se sentir compelido à ação. Em outras palavras, talvez a ação preventiva necessite de uma desgraça anterior. Bom, dá pra pensar alguns casos: o liberalismo econômico só foi deixado de lado para uma intervenção maciça do Estado na Economia quando aconteceu a maior crise econômica dos tempos capitalistas. O protocolo de Kyoto só foi assinado e as medidas anti-CFC só foram adotadas quando se viu que o buraco da camada de Ozônio era realmente um problema grave no presente, enquanto que o aquecimento global, como é um "problema do futuro", continua sendo postergado. Aí vem a crise financeira e todos os esforços são focados para salvar o capitalismo de suas forças latentes que geram crises, deixando o tema da crise ecológica de lado "ah, esse pode esperar, não é uma prioridade no momento".

Daí poderíamos ir para casos numa esfera mais microanalítica também. Por exemplo, já repararam que muitos líderes de associações de caridade ou algum tipo de organização solidária passaram eles mesmos por experiências ruins? Tipo o cara que tem uma associação contra o crack pq o filho usou crack, ou sei lá, tem vários casos assim. A minha pergunta é: será que o comportamento solidário surgiu como um resultado da situação difícil que se encarou anteriormente? Será que a prevenção necessita que uma desgraça aconteça para ser um traço do comportamento humano?

Por outro lado, também percebo que na história da humanidade me parece que nós seres humanos passamos a valorizar cada vez mais o futuro. Na época do homem das cavernas, para usar o raciocínio do Eduardo Giannetti, o homem nem sabia o que era futuro: a vida era o aqui e o agora e o ambiente hostil o condicionava dessa forma. Em algumas tribos indígenas de caçadores-coletores não existe uma palavra para "amanhã"! No entanto, vejamos o outro lado da moeda. As religiões por exemplo tendem a concentrar todos os esforços no futuro, como no caso do Cristianismo, em que a salvação estará no após-a-morte SE você tiver tido uma vida descente: pagar agora para viver depois. Orientação para o futuro.

Ou seja, o ser humano tem uma faculdade potencial de agir de forma preventiva ou fazer uma escolha intertemporal: preservar recursos para o futuro. O ser humano é capaz de pensar de forma intergeracional. Mas será que a nossa sociedade nos impele a nos preocupar com o futuro? Possivelmente numa medida muito maior do que na época das cavernas, porque o ambiente não é mais tão hostil. A expectativa de vida é maior. Além disso, existe espaço para a iniciativa individual, não está tudo dado pelos Deuses.

É, mas nem tudo são flores.

Vejamos o caso das pessoas extremamente pobres. O caso delas é muito próximo ao do homem das cavernas: a expectativa de vida é muito baixa, o ambiente é hostil: viver um dia a mais é uma dádiva e tudo pode acabar a qualquer momento. São pessoas extremamente vulneráveis. E vulnerabilidade implica em orientação para o presente: viver o aqui e agora "como se não houvesse amanhã", porque não há mesmo, não há perspectiva. Para essas pessoas é difícil pensar de forma precaucionária.

Ou seja, esse raciocínio mostra que nossa percepção temporal e nossa forma de tomar decisões de alocação intertemporal depende sobremaneira da forma como o ambiente nos condiciona. Esse raciocínio também é do Giannetti, mas eu adicionaria o fato de que se trata de uma ideia essencialmente institucionalista, lembrando sempre a influência de teoria da Evolução de Darwin: o ambiente nos condiciona a criar certos valores, certos padrões de comportamento. Nós temos nossos instintos, é verdade, mas temos a prerrogativa de criar instituições para agir sobre o modo como executamos nossa sociabilidade e portanto, sobre o próprio ambiente. Isso parte de algum tipo de sentimento primitivo que temos de reconhecimento do outro.

Esses valores ficam de tal forma arraigados na sociedade que se tornam o padrão de conduta das micro e macro instituições. Poderíamos pensar por exemplo como é a psicologia temporal do brasileiro, tentando inferir sobre a ontologia desse ser, assim como fizeram os intérpretes do Brasil. Com certeza o modo como o brasileiro "médio" pensa se reflete em suas instituições, por exemplo, o Estado. Se o brasileiro não valoriza muito o futuro, assim provavelmente serão também as políticas executadas pelo Estado. Bom, isso é um exercício complicado de se fazer, necessita mais estudo, com certeza.

Tudo isso serve para mostrar que a noção que nós seres humanos temos do Tempo é algo de uma importância muito significativa, e é um tema muito filosófico. Talvez caiba a ideia de buscar na Psicologia os fundamentos científicos para a estrutura de pensamento que nos faz agir de forma impulsiva ou preventiva, para a partir daí tentar tirar uma ideia de como isso se generaliza nas instituições.

A questão é: se temos a faculdade de pensar de forma preventiva, esta deve ser incentivada. As políticas públicas podem se orientar nesse sentido, por exemplo, ao analisar questões de sustentabilidade. Meu objetivo é olhar para o modo como o Estado brasileiro, esta instituição tão idiossincrática, tem conduzido as políticas de combate à pobreza e também verificar o que tem sido feito quanto à manutenção das condições de vida para as gerações futuras (sustentabilidade), sendo que minha hipótese é de que nada tem sido feito. Bom, a partir daí pretendo mostrar como essas considerações acerca da percepção temporal devem estar incluídas no modo como se pensa essas políticas. A partir daí talvez se consiga pensar novos moldes, novas políticas, que realmente sejam eficazes ao tratar esses problemas. E isso é possível, existem estudos que fizeram coisas parecidas em outros países, mas talvez sem uma reflexão filosófica necessária para compreender como se dão essas escolhas no tempo. E dentro desses meandros que pretendo adentrar a partir de agora.

Uma coisa é certa: não existe algo como uma "natureza humana". O que existe são faculdades potenciais emocionais e racionais. O resto fica por conta do ambiente, que nos condiciona a usar mais ou menos essas faculdades. A sociedade capitalista por exemplo é um ambiente que condiciona a faculdade de ser individualista. E aí vem um monte de teorias dizendo que a natureza humana é egoísta. Pois não serei eu que vou afirmar que a natureza humana é altruísta. O ser humano pode ser altruísta se o ambiente o compele para tal.

E quando é que nós formamos nossas capacidades de pensar essas coisas, de ter valores assim ou assado? Quando somos ainda bem pequenos. Por isso a educação em sentido amplo tem uma importância muito grande: Certas instituições nos moldam desde pequenos: a família, a escola, a igreja, etc. É aí então se que pode agir se buscamos uma mudança: estimular determinadas faculdades potenciais desde pequenos. Estimular, por exemplo, o comportamento precaucionário desde pequeno. E mais: fazer com que as pessoas pobres tenham também capacidade de ter essas faculdades potenciais estimuladas. E isso não é pq ninguém é bonzinho. É uma questão moral, que por sinal também é um valor social. A moralidade também é uma instituição, criada pelos indivíduos para atuar sobre suas ações.

Enfim, muitas coisas rondando minha cabeça no momento e poucas conclusões, apenas ideias vagando por aí em busca de criar uma coisa concisa e concreta, realizável.

Mas me parece que a Economia é um pouco restrita para essa tarefa. Eis o imperativo da transdisciplinariedade.

sexta-feira, 22 de março de 2013

O que buscamos? Crescimento? Prosperidade? Desenvolvimento? Felicidade?


A leitura de um artigo do Elmar Altvater de ontem pra hoje já foi suficiente para querer postar. Na verdade trata-se de escrever sobre uma pergunta que sempre passou pela minha cabeça, em parte tentei falar sobre isso na monografia, mas vejo que ela continua pairando. Na dissertação eu devo tangenciar isso, mas acho que uma busca mais extensiva dentro da Filosofia e da Ciência Econômica sobre o tema ainda se faz necessária....quem sabe na tese?

Bom, por enquanto dá pra pinçar alguns elementos de análise!

Em primeiro lugar, segue o artigo:

Elmar Altvater - "Crecimiento económico y acumulación de capital después de Fukushima"

No artigo, o talvez "nunca antes na história deste país" tão radical Altvater bota neoclássicos e keynesianos no mesmo saco ao dizer que ambos não consideram as leis da termodinâmica em suas análises. Nesse artigo fica patente sua base da teoria de Marx, com referências explícitas e tudo mais, coisa que antes não era tão evidente assim. O autor busca construir um argumento de que o capitalismo assumiu um imperativo de crescimento que desconsidera completamente as "fronteiras planetárias", tanto no lado do input quanto do output ambiental (recursos e degradação). Os economistas esqueceram em suas análises que é impossível crescer indefinidamente (não existe regra de ouro pro crescimento, nos termos de Herman Daly).

Mas na verdade nesse artigo o autor chama a atenção pro fato de que não é necessariamente um problema dos economistas ter esquecido esse tipo de análise, porque na verdade é do próprio sistema capitalista o imperativo do crescimento. A teoria é apenas um reflexo disso. O próprio Marx já nos chamava a atenção pro fato de que o capitalismo só pode existir na medida em que possa se reproduzir. O que o Altvater (e outros autores, como o Georgescu-Roegen por exemplo) dizem é que as condições de reprodução dependem de uma base energética e material que não se reproduz (e isso é uma lei inexorável da Física).

Tentando me arriscar nos termos de Marx, é como se o crescimento passasse também por um fetichismo. Crescer se torna o objetivo do capitalismo, assim como o lucro se torna o objetivo da produção de mercadorias. Mas...e a satisfação das necessidades humanas? Bom, esse parece não ser um objetivo da produção tipicamente capitalista.

Esse raciocínio coloca em xeque um monte de coisas: afinal como é possível pensar em Desenvolvimento das pessoas, satisfação das necessidades (principalmente dos mais pobres), "Prosperidade sem crescimento" nos termos de Tim Jackson, ou mesmo "Felicidade" num sistema cujo objetivo passa a ser o crescimento? Muitos teóricos vão dizer que tudo isso que eu disse é consequência do crescimento. Bom, aí temos um problema: então quais são os fins e quais são os meios? Se utilizarmos um raciocínio à la Amartya Sen, veremos que há uma distorção entre ambos no sistema capitalista, dentro do qual o crescimento passa a ser o fim e não o meio.

Discutir os fins da nossa sociedade passa exatamente pela questão de manter as condições do planeta para o futuro. Falar em tempo na formulação do nosso objetivo social passa também por falar sobre qual o destino do sistema que escolhemos.

Altvater sempre advogou a necessidade de uma revolução energética, na qual os fósseis fossem substituídos pelo pleno uso direto da energia solar. O autor mostra que pensar numa sociedade de crescimento zero (como alguns autores advogam) capaz de propiciar o florescimento das pessoas (algo como geração de bem-estar sem crescimento) implica pensar numa sociedade "pós-capitalista".


Sendo pós-capitalista ou não, pensar essas coisas torna-se cada vez mais necessário, na medida em que os problemas se tornam mais patentes. Além disso a questão ambiental envolve uma incerteza muito grande, afinal não sabemos exatamente o que a natureza nos reserva na medida em que ultrapassamos um certo "limiar" biofísico. Diante disso, usando a sabedoria convencional, espera-se uma postura precaucionária por parte dos indivíduos e das instituições. É isso que tem sido feito? Talvez em alguns lugares, mas não de forma generalizada e com certeza não no nosso país. Isso vai acontecer em escala global quando desgraças (sérias) acontecerem. Mas será que isso é um dado da psicologia humana?

Abrir essa caixa preta será um desafio que pretendo levar adiante este ano. Muitas perguntas que exigem resposta não serão necessariamente respondidas, mas precisam ser pensadas. Aguardo as contribuições de vocês!

sexta-feira, 8 de março de 2013

O dia internacional da mulher e a marcha das vadias

Essa postagem se destina a dois objetivos: fazer uma homenagem às mulheres e expor minha opinião sobre a Marcha das Vadias. Em parte trata-se de uma reflexão sobre a necessária mudança anti-conservadora que o mundo necessita. Essa história do pastor ter sido nomeado Presidente da CDHM me deixou muito preocupado sobre os rumos da sociedade...

Não preciso ficar lembrando ninguém que das formas mais diversas e possíveis que se possa imaginar, as sociedades do globo terrestre (salvo raríssimas exceções) condenaram as mulheres a um papel secundário, submisso, oprimido e passivo. Nós temos experiência da sociedade ocidental, mas é evidente que isso acontece "do lado de lá" também. E por algum motivo hoje uma crescente parcela da população acha que isso não é certo, pelo contrário, é moralmente condenável. A grande batalha é aquela que se estabelece entre essa "nova" visão da mulher na sociedade contra as instituições conservadoras machistas que ainda abrigam em si esta visão da qual falei no início do parágrafo.

Cada vez mais a luta pelo lugar da mulher na sociedade torna-se mais importante, não apenas no sentido prático da coisa (no que tange às manifestações, por exemplo), mas também naquilo que as estatísticas dizem sobre, por exemplo, o crescente espaço da mulher no mercado de trabalho. Claro que não quero ser tão otimista também, ainda tem muito trabalho a ser feito e eu acredito que chegaremos numa situação perfeitamente desejável não apenas quando as mulheres conquistarem seu espaço, mas quando os homens tomarem consciência disso.

A mudança institucional, no entanto, ocorre a passos de tartaruga. Não é fácil alterar a conformação de hábitos, padrões de conduta seculares, totalmente enraizados na sociedade. Existe uma inércia muito grande por parte dessas instituições retrógradas em permanecer. Felizmente que o processo de mudança existe e a velocidade com a qual ele acontece depende muito das atitudes dos indivíduos. São duas forças que atuam historicamente de forma combativa, provavelmente na direção de algo novo, mas que carrega em si a própria luta entre os opostos.

É aí que entre a marcha das Vadias, um movimento que parece ir bem na direção de "jogar na cara da sociedade" esse processo de mudança que está acontecendo mas que ainda precisa de muito feijão pra chegar naquilo que é desejado. As mulheres saem às ruas para... mostrarem que são mulheres e deixarem claro seu desejo de não viver numa sociedade machista! E os homens que apoiam essa causa vão junto pra mostrar que querem uma sociedade em que as mulheres sejam de fato mulheres, e não objetos.

A questão que eu levanto é a seguinte: o nome do movimento é Marcha das Vadias, mas o que significa "vadia" ? alguém que é vadio é alguém que anda sem rumo, não tem ocupação, não faz nada, é um vagabundo, aquele que não gosta de trabalhar ou se empenhar. Claro que o sentido dessa palavra ganhou outras acepções ao longo do tempo, mas o que gostaria de ressaltar é apenas um detalhe:

Mulheres, que nesse dia internacional de vocês, possamos refletir o seguinte: o movimento das mulheres contra as instituições retrógradas deve se pautar exatamente pelo contrário do que essa noção de "vadia" implica: construir movimentos com um norte bem direcionado (e não sem rumo), porque não construir utopias? Elas são as cenouras dos nossos burros, elas nos guiam rumo a alguma coisa, mesmo que nunca cheguemos lá. Vocês, mulheres, não são e não devem ser pessoas sem ocupação, vagabundas que não se empenham! A Marcha é exatamente uma mostra do poder que vocês tem, da capacidade de organização e do empenho rumo a essa mudança! Que nessa acepção do termo, não sejam vadias, sejam mulheres!

Não quero dizer que acho que o movimento tenha que mudar de nome, mas gostaria de sugerir que a busca pela mudança deve se pautar pelo entendimento que as mulheres tem do que elas querem ser na sociedade. O movimento não pode ser a esmo e sem sentido, deve construir a mudança.

A minha homenagem às mulheres é desejar que elas alcancem seus ideais, que possam fazer o que quiser de suas vidas sem laços de dependência com os homens, que possam bater de frente com o ranço da sociedade em que vivemos. Existe um potencial muito grande no movimento das mulheres para lutar contra o conservadorismo que tanto engessa a sociedade. E mais, desejo que os homens também reflitam, todos, sobre essas questões, e apoiem as mulheres em suas causas. Desejo a todas as mulheres do mundo que mais do que nunca, sejam mulheres!

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quarta-feira, 6 de março de 2013

E de novo a mídia...

Olha só a mídia de novo aí gente!

...

Não, não é marchinha de carnaval. E não tem nada de divertido. Tem tudo de mórbido e ideológico.

Ontem o Zizek falou muito de ideologia em sua palestra, sempre alertando para o fato de que por mais que tentemos nos desfazer dela, ela está sempre lá, em todos os lugares.

Vamos aos fatos. Primeiro. Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela, morre no dia 05/03. Um grande símbolo para o povo latino-americano, um homem cuja gestão gerou polêmicas que se espalharam pelo mundo inteiro. Mas que também gerou mudanças estruturais nesse país e, como disse o Zizek, ele era com certeza "um dos nossos", se referindo aos marxistas. Foi um homem que não fez apenas discursos, provocou também transformações.

Segundo. Chorão, ex-vocalista da banda brasileira Charlie Brown Jr., morre no dia 06/03. Responsável pela criação de um estilo híbrido de punk, hardcore e skate rock, um "poeta que não usa sapato", conquistou uma geração de jovens (eu incluso, na época de adolescente) com suas letras e seu estilo irreverente. Podem dizer o que quiser, mas foi alguém que teve sua importância para o rock nacional.

Vamos lá... essa postagem só funciona se vocês checarem os informativos tupiniquins agora! Em especial o globo.com. Sua página inicial traz um fato curioso! 11 (ONZE) manchetes sobre especulações em torno das supostas causas da morte de Chorão contra 4 (QUATRO) pequenas referências à repercussão da morte de Chávez. Isso sem falar no tamanho das manchetes, que é drasticamente desigual.

Mais uma vez a mídia transforma notícias num espetáculo! Que prato cheio a globo tem com essa morte do Chorão...quantas especulações, polêmicas em torno de sua morte, simulações e recriações que serão realizadas, investigações, homenagens, lembranças de sua pessoa, coluna do Nelson Motta, notícia sobre ele 24h, puro sensacionalismo. Que prato cheio! Que prato cheio pra não ter que falar dessa Venezuela "socialista", desse cara subversivo que morreu ontem e que não faz diferença nenhuma pra elite brasileira! Que mão na roda! Caiu como uma luva!


Não precisa falar muita coisa, o fenômeno é muito evidente. Vou finalizar com uma observação estúpida:
que coisa interessante poder observar isso em tempo real.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

E o que vem a tona com a tragédia de Santa Maria?

Desde o último domingo, quando presenciamos uma das piores tragédias que o Brasil (e o Mundo) já presenciaram, tenho pensado sobre questões relacionadas à este fato. Acredito que isso tenha feito muitas pessoas refletirem, de uma maneira ou de outra. E acredito mais que as pessoas com maior senso crítico tenham feito reflexões mais sensatas sobre a questão. E acredito mais ainda que a maior parte das pessoas tenha reproduzido algum discurso que ficou pululando por aí na mídia. E como a mídia se apropriou deste tema?

A postagem não é sobre a tragédia de Santa Maria. É sobre o modo como a mídia se apropriou da questão e da sua importância na hora de "formar opiniões".

No domingo mesmo a Band convocou o ilustríssimo (sic) José Luiz Datena para fazer a cobertura da notícia. Se alguém tiver sintonizado por mais de 10 minutos neste canal, possivelmente ouviu as expressões "isso é um absurdo", "isso só acontece nesse país", e "eu quero ibagens" umas 37 vezes cada uma. Eu mesmo fiquei um tempo assistindo pra perceber algumas coisas: a cobertura completamente sensacionalista da notícia, enfatizando os erros de condução da boate, associada à imagens fortes e perturbadoras. Em primeiro lugar, um total desrespeito com as pessoas que estavam, de fato, sofrendo diretamente com a tragédia. Mas também, uma forma massiva e repetitiva de criar uma determinada percepção do fato para as pessoas. Esse artigo conseguiu traduzir muito do que eu penso sobre este "cinismo da mídia" deflagrado diante da tragédia recente:

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-cinismo-da-midia/

É bom lembrar que esse é o mesmo cara que associou o crime de fuzilamento de um garoto ao fato do assassino ser ateu. É evidente que nada pode tirar a culpa do indivíduo, mas também é evidente que não existe correlação nenhuma entre os dois fatos, e associá-los é também um crime, no caso, contra a liberdade religiosa.

E antes fosse só uma pessoa ou só um programa. Essa tem sido praticamente a regra na veiculação de notícias trágicas. A transformação da tragédia num espetáculo pra milhões de pessoas assistirem e gerarem audiência.

O maior problema da história é que a forma de veiculação de tragédias e crimes na televisão tem assumido, ela mesma, a forma de uma tragédia, de um crime contra a sociedade. Um crime que passa impune. A impunidade que tanto se clama nessas exibições é, na verdade, conveniente para eles próprios.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O que temos a aprender com os humoristas da atualidade no Brasil

*** DISCLAIMER ***

Essa postagem foi escrita pelo meu inestimável amigo, Lucas Maciel Peixoto. Seu texto e todas as suas opiniões aqui emitidas são de sua inteira responsabilidade, não refletindo, necessariamente, as opiniões do posseiro deste blog. 

Escrita burocrática a parte, apenas para ressaltar que não necessariamente eu concordo com tudo, mas com certeza essa postagem vem preencher a lacuna de um tema sobre o qual com certeza eu não escreveria uma postagem enquanto não tivesse uma opinião concisa formada. O texto do Lucas vem muito bem a calhar para ajudar na formação dessa opinião e esclarecer algumas coisas, trazendo ótimos pontos que eu tenho certeza que fornecem uma excelente contribuição para o debate, espero que gostem (e comentem)! 

*** FIM DO DISCLAIMER ***

Estamos presenciando o aparecimento de um tipo de humorista bastante peculiar, para o qual não sei se existe um nome específico, até porque é definido justamente pela pluralidade das suas capacidades.  Estou falando desses caras que “flutuam” por entre vários tipos de atividade humorística, desde a Stand-up Comedy, passando por outros tipos de veiculação como as plataformas populares da internet (Twitter, YouTube, Facebook, etc.), até programas de TV ou espetáculos de teatro. Na verdade parece que esses caras nunca ficam parados e sempre tem um projeto novo, mantendo sua atividade humorística em movimento. Exemplos que vem à mente (e os que eu conheço mais, acompanho mais, me divertem mais) são Rafinha Bastos, Danilo Gentili, Oscar Filho, As Olívias (Cristiane Wersom, Marianna Armellini, Renata Augusto e Sheila Friedhofer) e Os Barbixas (Anderson Bizzocchi, Daniel Nascimento e Elidio Sanna e todos os convidados que eles chamam pro espetáculo “Improvável”, incluindo todo mundo que eu mencionei antes… é, eles são uma galerinha). Tem vários outros, claro, mas já deu pra ilustrar.

Antes de mais nada, gosto da qualidade do humor deles. Gosto muito das ideias que eles trazem, das sacadas que saem no improviso ou preparadas de antemão, da perspicácia subjancente ao fator cômico. Mas o que mais se destaca, pra mim, é a liberdade de expressão; a atividade desses humoristas é uma forma de trazer à tona assuntos importantes que talvez passariam despercebidos pela sociedade, e convida para a reflexão, ao menos.  Penso que é importante definir e encaixar essa liberdade dentro da atividade humorística. Eu acho que não são necessários muitos limites sobre “o que pode e o que não pode ser dito”, quando alguém está produzindo e trabalhando com humor. Por mim, os humoristas deviam poder fazer suas piadas sobre qualquer coisa ou qualquer um, utilizando o vocabulário que quisessem, sem serem penalizados por isso. Mas todo mundo já ficou, ou deve ter ouvido falar de alguém que ficou ofendido com alguma piada ou brincadeira. Só que o que começa apenas com um simples “ficar ofendido”, completamente compreensível e próprio da natureza humana, e que qualquer indivíduo saudável tem o bom senso de relevar e prosseguir com a sua vida, pode assumir rapidamente proporções maiores - reclamações, troca pública de ofensas, processos, etc. E é aí que as pessoas precisavam parar e pensar: “é só humor”.

Não que os humoristas façam seu trabalho com perfeição; tem hora que a piada é sem graça e ruim, mesmo. Isso é uma decorrência da natureza do trabalho com o humor. É um trabalho criativo, de produção de material; uma hora vai sair uma brincadeira idiota – ou nem tão idiota assim, mas que incomodou, que “pegou na veia” (ou “enfiou o dedo na ferida”, ou “pisou no calo”, dependendo da prática sadomasoquista de sua preferência). Mas a pessoa que assume esse tipo de comportamento de se sentir exageradamente ofendido é sempre uma entre 2 tipos: (1) - o cara que na verdade não tá ofendido, mas se movimenta pra meter a lenha e tacar processos nos humoristas por causa de fatores mais complexos, relacionados aos seus interesses, como relações de poder e se dá pra ganhar alguma coisa rechaçando o comediante; e (2) - o cara que, realmente, ficou um pouco ofendido inicialmente, mas foi influenciado direta ou indiretamente pelo discurso produzido pelo cara (1) e transformou a ofensa em algo muito maior do que realmente é. Um monte de gente já falou em mais detalhes sobre esse assunto (inclusive os próprios humoristas que já passaram por isso – vocês vão se lembrar da polêmica do Rafinha Bastos com a Wanessa Camargo, mas não é o único exemplo), então não vou repetir o que eles já disseram. O texto mais recente que eu li sobre isso (e que me motivou a escrever este texto) é do Danilo Gentili, olhe aí depois - http://acusacaodehomofobia.blogspot.com.br/ (Caso se dê ao trabalho de ler, não deixe de assistir também aos vídeos! Muito bons.)

Vamos ilustrar a situação com uma breve analogia, usando personagens os quais todos podem minimamente visualizar pra representar as forças envolvidas:

Joãozinho e Pedrinho são colegas de escola. Joãozinho apelidou Pedrinho de “gordinho”, e o chama assim desde sempre. Pedrinho tem uma “margem de aceitação”, definida por diversos fatores internos e externos, que circunscreve os comportamentos que são, para ele, aceitáveis ou não. Dentro desta margem, ele aceita o apelido de Joãozinho porque a) – ele não liga nem um pouco; ou b) – ele fica ofendido, mas não a ponto de cortar relações ou reclamar de Joãozinho, porque o considera um bom amigo de forma geral.

Aparece neste cenário Tiaguinho, um moleque “sanguenozóio” que veio de outra escola e que gosta de ver o pau quebrando. Ao ouvir Joãozinho chamando Pedrinho de gordinho pela primeira vez, ele imediamente diz “Olha do que ele tá te chamando! Vai deixar ele te chamar assim? Não vai fazer nada?”. Isso faz Pedrinho repensar seu comportamento ante o apelido recebido, o que talvez o leve a estreitar sua margem de aceitação; considerando o apelido, a partir daquele momento, como algo intolerável, um atrito é gerado com Joãozinho, e os dois são levados à coordenação da escola.

Intencionalmente ou não, Tiaguinho foi bem-sucedido em manipular a margem de aceitação de Pedrinho, gerando intolerância. Talvez Joãozinho usasse o apelido com a intenção de machucar os sentimentos de Pedrinho, ou talvez ele usasse de forma carinhosa, mas o fato é que os dois conviviam harmoniosamente antes da interferência de Tiaguinho. Na analogia, Joãozinho representa o comediante, Pedrinho representa seu público, e Tiaguinho representa integrantes da sociedade que não fazem parte do público do comediante, mas que se sentem incomodados ou ofendidos com sua liberdade de expressão ou visualizam, ao prejudicarem o humorista, oportunidades de realizar seus interesses pessoais. A coordenação da escola representa a justiça, que está disponível para Pedrinho (o público) caso sinta-se ofendido pelo que Joãozinho fala.

       Tem uma palavra em inglês que na minha percepção descreve perfeitamente o sujeito que fica “ofendidinho” quando é alvo de alguma brincadeira: “butthurt”. Traduzir isso aí, ou pelo menos trazer a ideia pro português, é um certo desafio, mas vamos lá… Literalmente ia ficar algo parecido com “com a bunda machucada” (ô traduçãozinha…). Como a tradução literal muitas vezes (sempre) é insuficiente, e como a palavra é uma gíria, vamos usar o Urban Dictionary. Tá em inglês, olhe aí: http://www.urbandictionary.com/define.php?term=ButtHurt. Vou pegar a definição que eu gostei mais e traduzir: butthurt - Getting your feelings hurt, being offended or getting all bent out of shape because of something petty or stupid.” Ou seja, “ficar magoado, se sentir ofendido ou excessivamente zangado por causa de algo pequeno ou idiota.” O primeiro vídeo no texto do Danilo Gentili que eu passei acima fala exatamente sobre isso. (De novo: assista! É bom!) Basicamente, o butthurt é o tipo do cara que fica ofendido por pouca coisa e ainda acha que alguém o deve desculpas ou satisfação. Do quê que um cara desse precisa? Disso:


Da forma como eu vejo isso tudo, o fato de receberem reclamações e processos dos ofendidinhos força os humoristas a se posicionarem sobre o assunto, e torna a atividade deles ainda mais verdadeira e louvável. Se antes eles já faziam críticas - bastante incômodas para os seus alvos - de cunho politico, econômico, religioso, etc., agora ainda tem a possibilidade de usar esses casos polêmicos e toda a comoção decorrente deles como combustível pro seu humor, potencializando o alcance da mensagem subjacente às suas piadas – ao mesmo tempo em que, em contrapartida, ficam ainda mais expostos aos ofendidinhos. Isso nos leva a uma outra característica desse tipo de comediante, que é o fato desses caras não estarem nem aí pra opinião pública sobre eles, e ainda fazerem questão até mesmo de se incluírem nas próprias piadas e zoarem sua própria pessoa quando exercitam sua atividade humorística. Veja algumas coisas que o Rafinha Bastos e o Danilo Gentili já falaram, tiradas de gravações de entrevistas e textos:

“Eu tenho sido alvo de diversos processos, pessoas insatisfeitas com as coisas que eu digo, pessoas tristes, até, muitas vezes. Tenho perdido pessoas que me seguem porque não acreditam na honestidade das minhas piadas, porque desconfiam da qualidade do humor que eu faço. Eu saí de Porto Alegre com um objetivo: dar orgulho pros meus pais; eles estão muito orgulhosos de mim. O resto, eu to cagando.”
Rafinha Bastos

“O mais cretino é que são mais ridículos que canalhas [as pessoas que o atacam] pois, querendo posar de defensores do bem, fazem o quê? Vão ocupar-se de ajudar quem precisa? Dedicam seu tempo a um fato relevante dentro da causa que dizem defender? Não. Sabe o que fazem? Ficam vigiando e patrulhando o meu twitter. O meu tu-í-ter. Que, todo mundo sabe, só tem merda (e é disso que eu vivo: falar merda. Nunca escondi de ninguém). Por isso mesmo, por viver de falar merda, nunca me passou pela cabeça ser outra coisa senão o que eu sou: um cuzão.” 
Danilo Gentili

         Tá, os caras podem não estar sendo completamente sinceros com toda essa auto-zoação. Ou podem. Alguém vai dizer que esse tipo de declaração é muito bem pensada da parte dos humoristas, com o objetivo de botar mais lenha na fogueira e atrair mais atenção para o trabalho deles. Pode até ser que seja uma forma de conseguirem mais visibilidade e, consequentemente, mais grana. Mas qual que é o problema de eles ganharem mais grana? Eu sou um professor e fiquei puto (assim como todos vocês) quando a um tempo atrás o sujeito falou que tenho que exercer minha profissão “por amor”, e não pelo meu salário. Eu gosto de ser professor, sim, mas tenho expectativas de que o meu trabalho seja valorizados pela sociedade na forma de realização financeira, assim como qualquer profissional. Da mesma forma, os comediantes fazem seu trabalho (imagino) como forma de realizar suas aspirações e por gostarem do que fazem, e também (tenho certeza) pra ganharem grana! Eu pessoalmente gosto de acreditar que eles estão sendo sinceros. Mas independentemente disso, o que importa aqui, ao meu ver, é a forma como esses caras se posicionam publicamente ao fazer essas declarações. Uma vez que o cara fala, com todas as letras, pra quem quiser ouvir, que está se cagando pra opinião dos outros, ou que, como nunca escondeu, vive de falar merda, ele se torna alguém muito difícil de ser atacado, e fica muito difícil se defender das críticas disparadas por ele. Qualquer tentativa de os atingir perde grande parte do impacto, porque, por assim dizer, eles se colocam publicamente em uma situação em que, relativamente ao contexto desta situação, não tem nada a perder. E a partir daí, todo o material humorístico-crítico criado por eles fica mais valorizado, mais crível e mais forte.

           Só é preciso não se esquecer do que é o humor, em essência; ou seja, rir de alguma coisa. Não é pra parar de ser engraçado. Não é pros caras irem demais pro lado politico da coisa e começarem a pagar de engajadinhos. Mas acho que eles nunca fizeram nem vão começar a fazer isso, então o entretenimento trazido pelo trabalho deles deve continuar garantido pelos próximos tempos. Isso posto, penso que um novo significado tem sido agregado à definição de humor. Além de ser algo que provoca o riso, ele passou a ser uma forma de veiculação de idéias, que é entendida dentro do contexto de uma sociedade com imperfeições, sendo algumas delas a existência de corrupção, de descredibilidade no aparelho político, de inversão de valores, de manipulação de ideias e de informação, tudo isso unido a uma população acomodada e com pouca voz ou força de mudança social. Então esse tipo de humor poderia, quem sabe, ser o que falta pra acordar as pessoas pra algumas coisas que acontecem no país, ou um convite ao menos para uma reflexão sobre esse tipo de coisa. 


Por Lucas Maciel Peixoto