*** DISCLAIMER ***
Essa postagem foi escrita pelo meu inestimável amigo, Lucas Maciel Peixoto. Seu texto e todas as suas opiniões aqui emitidas são de sua inteira responsabilidade, não refletindo, necessariamente, as opiniões do posseiro deste blog.
Escrita burocrática a parte, apenas para ressaltar que não necessariamente eu concordo com tudo, mas com certeza essa postagem vem preencher a lacuna de um tema sobre o qual com certeza eu não escreveria uma postagem enquanto não tivesse uma opinião concisa formada. O texto do Lucas vem muito bem a calhar para ajudar na formação dessa opinião e esclarecer algumas coisas, trazendo ótimos pontos que eu tenho certeza que fornecem uma excelente contribuição para o debate, espero que gostem (e comentem)!
*** FIM DO DISCLAIMER ***
Estamos presenciando o aparecimento de um tipo
de humorista bastante peculiar, para o qual não sei se existe um nome
específico, até porque é definido justamente pela pluralidade das suas
capacidades. Estou falando desses caras
que “flutuam” por entre vários tipos de atividade humorística, desde a Stand-up
Comedy, passando por outros tipos de veiculação como as plataformas populares
da internet (Twitter, YouTube, Facebook, etc.), até programas de TV ou
espetáculos de teatro. Na verdade parece que esses caras nunca ficam parados e
sempre tem um projeto novo, mantendo sua atividade humorística em movimento. Exemplos
que vem à mente (e os que eu conheço mais, acompanho mais, me divertem mais) são
Rafinha Bastos, Danilo Gentili, Oscar Filho, As Olívias (Cristiane Wersom, Marianna Armellini, Renata Augusto e Sheila Friedhofer) e Os Barbixas (Anderson Bizzocchi, Daniel
Nascimento e Elidio Sanna e todos os convidados que eles chamam pro espetáculo
“Improvável”, incluindo todo mundo que eu mencionei antes… é, eles são uma
galerinha). Tem vários outros, claro, mas já deu pra ilustrar.
Antes de mais nada, gosto da qualidade do humor
deles. Gosto muito das ideias que eles trazem, das sacadas que saem no
improviso ou preparadas de antemão, da perspicácia subjancente ao fator cômico.
Mas o que mais se destaca, pra mim, é a liberdade de expressão; a atividade desses
humoristas é uma forma de trazer à tona assuntos importantes que talvez passariam
despercebidos pela sociedade, e convida para a reflexão, ao menos. Penso que é importante definir e encaixar
essa liberdade dentro da atividade humorística. Eu acho que não são necessários
muitos limites sobre “o que pode e o que não pode ser dito”, quando alguém está
produzindo e trabalhando com humor. Por mim, os humoristas deviam poder fazer
suas piadas sobre qualquer coisa ou qualquer um, utilizando o vocabulário que
quisessem, sem serem penalizados por isso. Mas todo mundo já ficou, ou deve ter
ouvido falar de alguém que ficou ofendido com alguma piada ou brincadeira. Só
que o que começa apenas com um simples “ficar ofendido”, completamente
compreensível e próprio da natureza humana, e que qualquer indivíduo saudável
tem o bom senso de relevar e prosseguir com a sua vida, pode assumir
rapidamente proporções maiores - reclamações, troca pública de ofensas,
processos, etc. E é aí que as pessoas precisavam parar e pensar: “é só humor”.
Não que os humoristas façam seu trabalho com
perfeição; tem hora que a piada é sem graça e ruim, mesmo. Isso é uma
decorrência da natureza do trabalho com o humor. É um trabalho criativo, de
produção de material; uma hora vai sair uma brincadeira idiota – ou nem tão
idiota assim, mas que incomodou, que “pegou na veia” (ou “enfiou o dedo na
ferida”, ou “pisou no calo”, dependendo da prática sadomasoquista de sua
preferência). Mas a pessoa que assume esse tipo de comportamento de se sentir
exageradamente ofendido é sempre uma entre 2 tipos: (1) - o cara que na verdade
não tá ofendido, mas se movimenta pra meter a lenha e tacar processos nos humoristas
por causa de fatores mais complexos, relacionados aos seus interesses, como
relações de poder e se dá pra ganhar alguma coisa rechaçando o comediante; e
(2) - o cara que, realmente, ficou um pouco ofendido inicialmente, mas foi
influenciado direta ou indiretamente pelo discurso produzido pelo cara (1) e
transformou a ofensa em algo muito maior do que realmente é. Um monte de gente
já falou em mais detalhes sobre esse assunto (inclusive os próprios humoristas
que já passaram por isso – vocês vão se lembrar da polêmica do Rafinha Bastos
com a Wanessa Camargo, mas não é o único exemplo), então não vou repetir o que
eles já disseram. O texto mais recente que eu li sobre isso (e que me motivou a
escrever este texto) é do Danilo Gentili, olhe aí depois - http://acusacaodehomofobia.blogspot.com.br/ (Caso se dê ao trabalho de ler, não deixe de assistir também aos vídeos!
Muito bons.)
Vamos ilustrar a situação com uma breve
analogia, usando personagens os quais todos podem minimamente visualizar pra
representar as forças envolvidas:
Joãozinho e Pedrinho são colegas de escola.
Joãozinho apelidou Pedrinho de “gordinho”, e o chama assim desde sempre.
Pedrinho tem uma “margem de aceitação”, definida por diversos fatores internos
e externos, que circunscreve os comportamentos que são, para ele, aceitáveis ou
não. Dentro desta margem, ele aceita o apelido de Joãozinho porque a) – ele não
liga nem um pouco; ou b) – ele fica ofendido, mas não a ponto de cortar
relações ou reclamar de Joãozinho, porque o considera um bom amigo de forma
geral.
Aparece neste cenário Tiaguinho, um moleque
“sanguenozóio” que veio de outra escola e que gosta de ver o pau quebrando. Ao
ouvir Joãozinho chamando Pedrinho de gordinho pela primeira vez, ele
imediamente diz “Olha do que ele tá te chamando! Vai deixar ele te chamar
assim? Não vai fazer nada?”. Isso faz Pedrinho repensar seu comportamento ante
o apelido recebido, o que talvez o leve a estreitar sua margem de aceitação;
considerando o apelido, a partir daquele momento, como algo intolerável, um
atrito é gerado com Joãozinho, e os dois são levados à coordenação da escola.
Intencionalmente ou não, Tiaguinho foi
bem-sucedido em manipular a margem de aceitação de Pedrinho, gerando
intolerância. Talvez Joãozinho usasse o apelido com a intenção de machucar os
sentimentos de Pedrinho, ou talvez ele usasse de forma carinhosa, mas o fato é
que os dois conviviam harmoniosamente antes da interferência de Tiaguinho. Na
analogia, Joãozinho representa o comediante, Pedrinho representa seu público, e
Tiaguinho representa integrantes da sociedade que não fazem parte do público do
comediante, mas que se sentem incomodados ou ofendidos com sua liberdade de
expressão ou visualizam, ao prejudicarem o humorista, oportunidades de realizar
seus interesses pessoais. A coordenação da escola representa a justiça, que
está disponível para Pedrinho (o público) caso sinta-se ofendido pelo que
Joãozinho fala.
Tem uma palavra em inglês que na minha
percepção descreve perfeitamente o sujeito que fica “ofendidinho” quando é alvo
de alguma brincadeira: “butthurt”.
Traduzir isso aí, ou pelo menos trazer a ideia pro português, é um certo
desafio, mas vamos lá… Literalmente ia ficar algo parecido com “com a bunda
machucada” (ô traduçãozinha…). Como a tradução literal muitas vezes (sempre) é
insuficiente, e como a palavra é uma gíria, vamos usar o Urban Dictionary. Tá em
inglês, olhe aí: http://www.urbandictionary.com/define.php?term=ButtHurt. Vou pegar a definição
que eu gostei mais e traduzir: “butthurt - Getting your feelings hurt, being offended or getting all bent out of shape because of something petty or stupid.” Ou seja, “ficar magoado, se sentir ofendido ou excessivamente zangado por causa de algo pequeno ou idiota.” O primeiro vídeo no texto do Danilo Gentili que eu passei acima fala exatamente sobre isso. (De novo: assista! É bom!) Basicamente, o butthurt é o tipo do cara que fica ofendido por pouca coisa e ainda acha que alguém o deve desculpas ou satisfação. Do quê que um cara desse precisa? Disso:
Da forma como eu vejo isso tudo, o fato de receberem reclamações e processos
dos ofendidinhos força os humoristas a se posicionarem sobre o assunto, e torna
a atividade deles ainda mais verdadeira e louvável. Se antes eles já faziam
críticas - bastante incômodas para os seus alvos - de cunho politico,
econômico, religioso, etc., agora ainda tem a possibilidade de usar esses casos
polêmicos e toda a comoção decorrente deles como combustível pro seu humor,
potencializando o alcance da mensagem subjacente às suas piadas – ao mesmo
tempo em que, em contrapartida, ficam ainda mais expostos aos ofendidinhos.
Isso nos leva a uma outra característica desse tipo de comediante, que é o fato
desses caras não estarem nem aí pra opinião pública sobre eles, e ainda fazerem
questão até mesmo de se incluírem nas próprias piadas e zoarem sua própria
pessoa quando exercitam sua atividade humorística. Veja algumas coisas que o
Rafinha Bastos e o Danilo Gentili já falaram, tiradas de gravações de entrevistas
e textos:
“Eu tenho sido alvo de diversos processos, pessoas insatisfeitas com as
coisas que eu digo, pessoas tristes, até, muitas vezes. Tenho perdido pessoas
que me seguem porque não acreditam na honestidade das minhas piadas, porque
desconfiam da qualidade do humor que eu faço. Eu saí de Porto Alegre com um
objetivo: dar orgulho pros meus pais; eles estão muito orgulhosos de mim. O
resto, eu to cagando.”
Rafinha Bastos
“O mais cretino é que são mais ridículos que canalhas [as pessoas que o atacam] pois, querendo posar de defensores do bem, fazem o quê? Vão ocupar-se de ajudar quem precisa? Dedicam seu tempo a um fato relevante dentro da causa que dizem defender? Não. Sabe o que fazem? Ficam vigiando e patrulhando o meu twitter. O meu tu-í-ter. Que, todo mundo sabe, só tem merda (e é disso que eu vivo: falar merda. Nunca escondi de ninguém). Por isso mesmo, por viver de falar merda, nunca me passou pela cabeça ser outra coisa senão o que eu sou: um cuzão.”
Danilo Gentili
Tá, os caras podem não estar sendo completamente sinceros com toda essa auto-zoação. Ou podem. Alguém vai dizer que esse tipo de declaração é muito bem pensada da parte dos humoristas, com o objetivo de botar mais lenha na fogueira e atrair mais atenção para o trabalho deles. Pode até ser que seja uma forma de conseguirem mais visibilidade e, consequentemente, mais grana. Mas qual que é o problema de eles ganharem mais grana? Eu sou um professor e fiquei puto (assim como todos vocês) quando a um tempo atrás o sujeito falou que tenho que exercer minha profissão “por amor”, e não pelo meu salário. Eu gosto de ser professor, sim, mas tenho expectativas de que o meu trabalho seja valorizados pela sociedade na forma de realização financeira, assim como qualquer profissional. Da mesma forma, os comediantes fazem seu trabalho (imagino) como forma de realizar suas aspirações e por gostarem do que fazem, e também (tenho certeza) pra ganharem grana! Eu pessoalmente gosto de acreditar que eles estão sendo sinceros. Mas independentemente disso, o que importa aqui, ao meu ver, é a forma como esses caras se posicionam publicamente ao fazer essas declarações. Uma vez que o cara fala, com todas as letras, pra quem quiser ouvir, que está se cagando pra opinião dos outros, ou que, como nunca escondeu, vive de falar merda, ele se torna alguém muito difícil de ser atacado, e fica muito difícil se defender das críticas disparadas por ele. Qualquer tentativa de os atingir perde grande parte do impacto, porque, por assim dizer, eles se colocam publicamente em uma situação em que, relativamente ao contexto desta situação, não tem nada a perder. E a partir daí, todo o material humorístico-crítico criado por eles fica mais valorizado, mais crível e mais forte.
Só é preciso não se esquecer do que é o humor, em essência; ou seja, rir de alguma coisa. Não é pra parar de ser engraçado. Não é pros caras irem demais pro lado politico da coisa e começarem a pagar de engajadinhos. Mas acho que eles nunca fizeram nem vão começar a fazer isso, então o entretenimento trazido pelo trabalho deles deve continuar garantido pelos próximos tempos. Isso posto, penso que um novo significado tem sido agregado à definição de humor. Além de ser algo que provoca o riso, ele passou a ser uma forma de veiculação de idéias, que é entendida dentro do contexto de uma sociedade com imperfeições, sendo algumas delas a existência de corrupção, de descredibilidade no aparelho político, de inversão de valores, de manipulação de ideias e de informação, tudo isso unido a uma população acomodada e com pouca voz ou força de mudança social. Então esse tipo de humor poderia, quem sabe, ser o que falta pra acordar as pessoas pra algumas coisas que acontecem no país, ou um convite ao menos para uma reflexão sobre esse tipo de coisa.
Por Lucas Maciel Peixoto
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