quinta-feira, 3 de junho de 2010

"Academicismo": banalização da vida acadêmica e produção intelectual inconsequente

Il ne faut pas...

Il ne faut pas laisser les intellectuels jouer avec les
allumettes
Parce que Messieurs quand on le laisse seul
Le monde mental Messssieurs
N'est pas du tout brillant
Et sitôt qu'il est seul
Travaille arbitrairement
S'érigeant pour soi-même
Et soi-disant généreusement en l'honneur des travailleurs du bâtiment
Un auto-monument
Répétons-le Messssssieurs
Quand on le laisse seul
Le monde mental
Ment
Monumentalement.
Jacques Prévert. Paroles. Paris: 1949

Jacques Prévert não foi o primeiro nem o último cara a realizar uma crítica aos intelectuais. Agora, pretendo dar alguma contribuição para o assunto por meio dessa postagem.

Foram várias e várias as fontes de insights que me propiciaram a ideia de escrever sobre o assunto. E, putz, faz uma cara que eu não posto aqui não só por falta de tempo, mas também porque fiquei muito tempo reunindo coisas nessas gavetas cerebrais pra tentar formular alguma coisa. E, principalmente, alguma coisa que não fosse mera produção acadêmica sem valor algum.

Pra mim, uma das coisas mais deprimentes do mundo foi ouvir da boca de professores coisas como "ninguém precisa ser original hoje mais, até tese de doutorado não precisa de critério de originalidade". Normalmente, as pessoas ficam mais reflexivas quando estão fazendo suas monografias? Não sei, mas acho que todo mundo, em alguma medida, tenta "descobrir o Brasil", mesmo no plano das ideias. Mas sempre o orientador, ou qualquer outra pessoa, te dá um foco pra que você de fato consiga escrever alguma coisa na monografia, que, de fato, não pode ser um trabalho muito extenso. Algumas coisas precisam ser "deixadas" para outro momento da vida. Até aí tudo bem.

Mas daí a sofrer um desestímulo por parte de alguém da academia (teoricamente um conceituado intelectual responsável pela elaboração de conhecimentos RELEVANTES) a fazer algo original? Ainda com o argumento de que nem doutores precisam ser originais hoje em dia? Peraí, se é assim, o acadêmico serve pra que?

Como tudo na superestrutura capitalista (e quantas vezes eu já entrei nesse âmbito no blog), temos que ter em mente que o que guia esse sistema é sempre a lógica do dinheiro. Claro, como haveria de ser verdade, o que se vê hoje é a academia também sendo guiada para esse fim. Pelo menos eu vejo assim. Se existem tantos produtivistas por aí, parece que o único intuito de escrever um trabalho é para que você ganhe um certo reconhecimento que te propicia dinheiro, principalmente na forma das chamadas bolsas de produtividade. Como o próprio nome diz, você ganha para produzir. Mas para produzir o que? Afinal, o que está sendo produzido tem qual validade?

Certa vez um professor em sala de aula disse algo bastante sintético nesse sentido: "vocês que farão mestrado e doutorado terão professores piores do que os que eu tive". Isso porque os intelectuais outrora eram, antes de mais nada, estudiosos, sábios. Pessoas que de fato traziam uma contribuição fundamental ao crescimento da ciência e, enquanto bons intelectuais, possuíam uma abrangência e certa propriedade para falar de quase tudo dentro da sua área do conhecimento (ou até mesmo fora dela, pois também tinham uma preocupação fundamental com a bagagem cultural e a experiência). Isso é o resultado da formação de uma pessoa que se graduou e ainda continuou estudando, mas fez mestrado ou doutorado (se é que fez) num outro momento da vida, com maior maturidade e experiência. No fim da vida, os caras nem escreveram tanta coisa, mas o que escreveram é de uma relevância bastante considerável. Boa parte dos grandes intelectuais (de verdade) que conheci sequer tinham mestrado.

Hoje, os acadêmicos são muito mais "eficientes" e o "mercado" exige que, para que ganhem dinheiro rápido, devem fazer mestrado e doutorado tout de suite e ser um doutor com nem 30 anos. Alguns ainda nem sabem o que é uma sala de aula e se tornam professores, por que detêm um título, que deixou de ser uma consequência para ser um objetivo primordial que, na verdade, leva ao dinheiro. Resultado, formam-se acadêmicos muito novos, pouco experientes, com pouca abrangência, mas que sabem muito...................sobre uma coisa bastante específica. E o resto? bom, o resto...


Antes uma disciplina rodava mais entre os professores, porque todos eram de certa forma capazes de ministrar quase tudo. Hoje um cara só consegue dar aula de uma coisa porque aquilo é o que ele fez a vida inteira, não dá pra escapar. O intelectual que antes contribuía para o avanço da ciência agora usa da ciência desenvolvida para explicar algo extremamente específico. Aliás, a ideia hoje é produção, produção. "Você TEM QUE produzir". Isso soa como: TENHO QUE PRODUZIR, não importa o que. Esse não importa o que soa como "nem que seja pegar o que alguém já fez e fazer igual pra uma situação muito parecida", afinal, nem doutorado precisa ser original mais né (em algumas áreas e em alguns institutos ainda é, graças!). Eu mesmo já vi tese de doutorado ser igual a um artigo de outra pessoa. A única coisa que mudava era o número de páginas e a quantidade de números pra provar a mesma coisa.

E revistas são criadas para hospedar o crescente número de publicações de baixa relevância. As que não são extremamente específicas são apenas revisões bibliográficas. Resumos. Não que eles não sejam importantes, afinal alguém pode te ajudar a entender aquilo que você não entendeu de um determinado autor. Mas isso é utilizado como produção intelectual, quando na verdade, não tem nada de novo. E depois as revistas podem ser arquivadas, afinal, pra que divulgar o conhecimento produzido? (aliás, outro problema, grande parte do conhecimento é pouco difundido nos meios não-acadêmicos.......)

É sempre bom lembrar que esse é um assunto complicado porque, de fato, existem bastantes exceções à essa regra e, thank god, essas exceções ainda podem fazer muito pela ciência e pelo homem. Mas é sempre bom lembrar também que a tendência apontada se intensifica a cada dia, pois estamos num sistema em pleno desenvolvimento, cuja lógica tende a guiar todos os seus padrões. Outra coisa que é válida lembrar: cada um fala com o ponto de vista do seu "lugar social" e, como é de se esperar, eu estou falando do meu. Uma pessoa pode vir aqui e contradizer tudo o que eu disse com fatos que parte de outro lugar social onde predominam as exceções. Bom, creio que as duas coisas subsistem.

Me preocupo muito com isso pois penso seriamente em seguir vida acadêmica (e essas reflexões se tornam mais pujantes quando do fim do curso........... e da produção da monografia). Mas, definitivamente, se for pra ser um acadêmico como esses que citei, acho que prefiro ganhar dinheiro de uma forma mais capitalista. Todavia, me preocupo muito com a ciência para o homem, que ainda tem muito o que aprender. E espero sinceramente poder de alguma forma contribuir para isso algum dia.