sexta-feira, 21 de junho de 2013

No Ar

Dia 21 de Junho de 2013, 00h30.

Essa postagem não tem imagem. A imagem é o que será descrito pelas palavras e é o que está na cabeça de cada um que está vivenciando tudo.

Demorei muito para escrever alguma coisa sobre o momento histórico que vivemos. E demorei porque qualquer coisa emitida de forma imediata pode correr o risco de ser completamente equivocada. Mas além disso, viver o calor dos acontecimentos também pode implicar em uma análise enviesada dos fenômenos.

Hoje, após ir à manifestação que houve em Porto Alegre, eu consegui perceber claramente que as opiniões que cada um emite sobre a questão são totalmente determinadas pelas situações que a pessoa vivenciou (ou que não vivenciou). Cada um obtém apenas um relato parcial da realidade, sendo difícil compreender a totalidade do fenômeno que está acontecendo agora. Acho que ninguém conseguirá, no meio do negócio, analisar de forma total e coerente o que está acontecendo. Mais ainda porque não existe espectador imparcial pra fazer isso.

É realmente muito estranho quando você participa de uma passeata que é sim bastante heterogênea, mas é sim também pacífica, e de repente você se vê bem próximo da linha de frente da passeata, nada acontece e você ouve barulhos e vê fumaça. No próximo segundo, pessoas correndo desesperadas. Depois, você vê amigos seus que estiveram ainda mais perto e sofreram fisicamente as consequências de um confronto que não tinha razão alguma para acontecer.

Aí alguém vai dizer que a polícia atacou porque haviam vândalos, baderneiros e não sei mais quem que estava depredando o patrimônio público ou privado. Bom, essa me parece uma visão parcial dos fenômenos - sem querer dizer que a minha também não seja - porque o que vi foi a polícia começando tudo. Rapidamente a manifestação foi dissipada, enquanto que na televisão mostrava um pequeno grupo de pessoas depredando um banco.

Depois, restou o cheiro forte de vinagre no ar. No ar das pessoas decepcionadas. Pessoas que exalaram um ar de ira que é o reflexo mais direto e humano possível da violação de uma liberdade tão básica. A prova mais cabal do clichê "violência gera violência". E aí como não dizer que é legítimo que as pessoas diretamente afetadas se sintam inclinadas a cometer atos de violência? Cheguei à conclusão que é muito fácil defender a bandeira do "apoio a manifestação mas sou contra a violência". Eu mesmo vi pessoas mudarem essa bandeira facilmente quando foram elas mesmas submetidas à violência. Não por uma bandeira "sou a favor da violência", mas a bandeira do "apoio a manifestação" e ponto.

Não me entendam errado, não estou fazendo apologia à violência nem à depredação. A questão é que a existência de violência me parece inevitável depois que houve um estopim inicial. Acabei de ver que a manifestação na minha cidade, Uberlândia-MG, contou com 40 mil pessoas e foi totalmente pacífica. Não houve ação da polícia nem depredação ou vandalismo. Ou seja, é possível haver um protesto sem violência.

Acontece que violência é uma bola de neve que vai piorando na medida em que mais pessoas foram diretamente afetadas por ela. Surge um cheiro de Vingança (para além do de Vinagre) recíproca e destrutiva. E aí julgar a partir de um pedestal me parece muito fácil. O movimento está bem construído e você está contra ou a favor dele. Não existe meio contra ou meio a favor. Você pode sim estar a favor, contudo ver problemas e achar que poderia ser melhor. Mas você continua tendo um "partido" (entendendo partido não como a organização, mas como a escolha de um lado).

Parênteses. Acabo de finalizar a leitura de 1984, de George Orwell. Aquele livro, que pode ser entendido como uma "profecia do acontecido", pode também ser entendido como um meio de chamar a atenção de todos para as possibilidades que se abrem pela sociabilidade humana. As possibilidades mais truculentas e odiosas possíveis.

E aí o que me preocupa mais é a democracia ainda frágil que temos. O espectro da ditadura aparece facilmente numa situação dessas. Eu vejo as manifestações como sendo uma resposta à ainda fraca democracia que temos, sendo uma oportunidade para fortalecimento dessa democracia. Alguns vêem nas manifestações um espaço que se abre para a instalação da ditadura. Pois temos que lutar para que essa manifestação seja uma manifestação democrática e pró-democrática. E ao meu ver ela está sendo!

E eu falo isso mesmo depois de ter assistido à barbárie que assisti. Ela é uma prova de que a ação da polícia tem acontecido quase nos moldes de uma ditadura, em resposta a um movimento que é democrático. Pois imagine o que é viver num local em que você não possui nada pra amparar. Num local onde o ambiente é de que constante latência da ação truculenta. As pessoas se dissipam por medo, pela defesa do seu direito mais básico: a vida. O que é pior? a violência de alguns grupos contra o patrimônio ou a violência autorizada de uma grande massa armada e bem armada contra um grupo de.... pessoas? Qual direito vale mais? à propriedade ou à vida?

Minha visão dos fatos é parcial, como a de qualquer um de vocês. Parcial por que não é total, e parcial porque não é imparcial. Mas hoje, depois de analisar os fatos e opiniões, digo sem apostos: sou totalmente favorável ao movimento e ponto. E minha bandeira principal, que junto às mais variadas bandeiras que compõem o movimento (o que ao meu ver é positivo), é a bandeira da defesa do direito às liberdades mais básicas dos indivíduos, algo que vem sendo constantemente violado no nosso país, que teoricamente é uma democracia.

Ainda estou no ar
No ar revolto
Onde agora só restam ó dores
Cheiros de vinagre
de vingança
e de mudança.