sexta-feira, 22 de março de 2013

O que buscamos? Crescimento? Prosperidade? Desenvolvimento? Felicidade?


A leitura de um artigo do Elmar Altvater de ontem pra hoje já foi suficiente para querer postar. Na verdade trata-se de escrever sobre uma pergunta que sempre passou pela minha cabeça, em parte tentei falar sobre isso na monografia, mas vejo que ela continua pairando. Na dissertação eu devo tangenciar isso, mas acho que uma busca mais extensiva dentro da Filosofia e da Ciência Econômica sobre o tema ainda se faz necessária....quem sabe na tese?

Bom, por enquanto dá pra pinçar alguns elementos de análise!

Em primeiro lugar, segue o artigo:

Elmar Altvater - "Crecimiento económico y acumulación de capital después de Fukushima"

No artigo, o talvez "nunca antes na história deste país" tão radical Altvater bota neoclássicos e keynesianos no mesmo saco ao dizer que ambos não consideram as leis da termodinâmica em suas análises. Nesse artigo fica patente sua base da teoria de Marx, com referências explícitas e tudo mais, coisa que antes não era tão evidente assim. O autor busca construir um argumento de que o capitalismo assumiu um imperativo de crescimento que desconsidera completamente as "fronteiras planetárias", tanto no lado do input quanto do output ambiental (recursos e degradação). Os economistas esqueceram em suas análises que é impossível crescer indefinidamente (não existe regra de ouro pro crescimento, nos termos de Herman Daly).

Mas na verdade nesse artigo o autor chama a atenção pro fato de que não é necessariamente um problema dos economistas ter esquecido esse tipo de análise, porque na verdade é do próprio sistema capitalista o imperativo do crescimento. A teoria é apenas um reflexo disso. O próprio Marx já nos chamava a atenção pro fato de que o capitalismo só pode existir na medida em que possa se reproduzir. O que o Altvater (e outros autores, como o Georgescu-Roegen por exemplo) dizem é que as condições de reprodução dependem de uma base energética e material que não se reproduz (e isso é uma lei inexorável da Física).

Tentando me arriscar nos termos de Marx, é como se o crescimento passasse também por um fetichismo. Crescer se torna o objetivo do capitalismo, assim como o lucro se torna o objetivo da produção de mercadorias. Mas...e a satisfação das necessidades humanas? Bom, esse parece não ser um objetivo da produção tipicamente capitalista.

Esse raciocínio coloca em xeque um monte de coisas: afinal como é possível pensar em Desenvolvimento das pessoas, satisfação das necessidades (principalmente dos mais pobres), "Prosperidade sem crescimento" nos termos de Tim Jackson, ou mesmo "Felicidade" num sistema cujo objetivo passa a ser o crescimento? Muitos teóricos vão dizer que tudo isso que eu disse é consequência do crescimento. Bom, aí temos um problema: então quais são os fins e quais são os meios? Se utilizarmos um raciocínio à la Amartya Sen, veremos que há uma distorção entre ambos no sistema capitalista, dentro do qual o crescimento passa a ser o fim e não o meio.

Discutir os fins da nossa sociedade passa exatamente pela questão de manter as condições do planeta para o futuro. Falar em tempo na formulação do nosso objetivo social passa também por falar sobre qual o destino do sistema que escolhemos.

Altvater sempre advogou a necessidade de uma revolução energética, na qual os fósseis fossem substituídos pelo pleno uso direto da energia solar. O autor mostra que pensar numa sociedade de crescimento zero (como alguns autores advogam) capaz de propiciar o florescimento das pessoas (algo como geração de bem-estar sem crescimento) implica pensar numa sociedade "pós-capitalista".


Sendo pós-capitalista ou não, pensar essas coisas torna-se cada vez mais necessário, na medida em que os problemas se tornam mais patentes. Além disso a questão ambiental envolve uma incerteza muito grande, afinal não sabemos exatamente o que a natureza nos reserva na medida em que ultrapassamos um certo "limiar" biofísico. Diante disso, usando a sabedoria convencional, espera-se uma postura precaucionária por parte dos indivíduos e das instituições. É isso que tem sido feito? Talvez em alguns lugares, mas não de forma generalizada e com certeza não no nosso país. Isso vai acontecer em escala global quando desgraças (sérias) acontecerem. Mas será que isso é um dado da psicologia humana?

Abrir essa caixa preta será um desafio que pretendo levar adiante este ano. Muitas perguntas que exigem resposta não serão necessariamente respondidas, mas precisam ser pensadas. Aguardo as contribuições de vocês!

8 comentários:

Sandro Mayrink disse...

Já tão pensando em explorar recursos da lua, de marte ou mesmo colonizar esses lugares. A longuíssimo prazo, se der tempo, acho que essa é a salvação pro Capitalismo. Mas tbm não dá pra contar com isso, né?! Acho mesmo que já tá passando da hora de parar de pensar só em crescer.

SpaceWagner disse...

Por isso pretendo investigar qual a natureza do pensamento precaucionário no ser humano, Sandro. A minha dúvida é até que ponto é possível pensar em "políticas precaucionárias" diante dessa constatação. Se todos concordam que a situação é feia, porque nada é feito? Eu tendo a achar que o que abala os humanos à ação são as desgraças, infelizmente, mas isso requer maior investigação filosófica.

Anônimo disse...

Grande Wagnight, curti seu blog, mano!

Quanto ao crescimento como um fim, perceba uma coisa: Existe alguma outra variável econômica que permita avaliar o desempenho das n indústrias de uma economia do que o próprio crescimento desta?

A questão de governos buscarem o crescimento está muito mais pautada na necessidade de se garantir que existe uma trajetória crescente da renda de todos os indivíduos (elementos do conjunto criado a partir da economia, em sua forma abstrata) do que na busca pelo crescimento sem um motivo.

Em última instância, o crescimento de uma economia está relacionado com o bem-estar das regiões desta economia, com a renda real dos indivíduos e com as cestas de bens disponíveis.

Quanto mais heterogêneas as cestas, maior a renda real e maior o bem-estar (geralmente avaliado através das duas variáveis anteriores), "melhor" os indivíduos vivem e mais produto tende a ser gerado, mais produtivos são os insumos e, logicamente, maior será o crescimento.

A busca por altas variações positivas no Produto Interno de uma economia não decorre do crescimento pelo crescimento, e sim do crescimento pela melhoria da situação econômica dos indivíduos.

Anônimo disse...

P.S.: Não sejam tão Malthusianos. Ainda que os recursos naturais sejam, realmente, consumidos deveras indiscriminadamente, a evolução (e as revoluções) tecnológica geralmente impede que o "sistema" entre em colapso por falta de insumo.

SpaceWagner disse...

Eu não sei quem postou esses comentários apesar de ter um palpite! hehe Por favor, não postem como anônimos, ou pelo menos assinem a postagem!

O fato do crescimento poder ser mensurável e usado como balizador de resultados não o justifica como fim. Ele continua sendo um meio. Ao meu ver é perfeitamente possível perseguir o "fim" Desenvolvimento ou Prosperidade, etc, tendo como meio o crescimento. A questão é: esse fim não estaria distorcido? O crescimento é bom para uma parcela da população e acontece às custas de várias coisas, então tê-lo como fim implica não ter um objetivo social claro de gerar "felicidade" para todos. Nos termos de Rawls, buscamos uma sociedade igualitária, mas sabemos que desigualdades existem e elas devem existir apenas na medida em que beneficiarem os menos beneficiados. O crescimento per se pode ser contraditório e gerar desigualdades que não são bem-vindas, nesses termos.

O capitalismo e a história já nos mostraram que trata-se de um sistema gerador de desigualdades. Acreditar que o crescimento resolve os problemas (como a pobreza e a pressão ambiental) é talvez ser muito otimista com relação à essa variável. Não adianta crescer se isso não se refletir em melhoria de bem-estar para todos. E bem-estar é algo bem mais complexo do que aquilo que pode ser medido com cestas de bens e renda. O IDH pode não ser o melhor índice, mas ele já avançou a ponto de captar também a dimensão de educação e de saúde. Só pra mostrar que bem-estar é algo extremamente complexo a ponto de depender de vários fatores e de ser extremamente adaptativo.

Ninguém está sendo malthusiano, não disse em momento algum que estamos caminhando rumo a um estado em que existam mais pessoas que alimentos para essas pessoas. É evidente que hoje já existem alimentos em proporção mais que suficiente para resolver o problema da fome no mundo, mas isso não acontece por um problema de distribuição, emaranhado num monte de raízes históricas bastante complicadas. E mais: o problema a que venho chamando atenção é mto mais de output do que de input ambiental. A escassez de recursos é um problema muito menor do que a degradação, os resíduos, etc.

Acreditar que a tecnologia pode sempre relativizar os limites biofísicos é uma teoria amplamente discutida no ambito da Economia Ambiental e está assentada em algo chamado "curva de Kuznets ambiental". Esse tipo de argumentação está cada mais vez mais obsoleto, não apenas pelas catástrofes que acontecem mostrando o que pode acontecer quando atingimos os limiares biofísicos, como também pelas refutações empíricas que ele vem sofrendo. E é exatamente essa a questão: se a curva de Kuznets ambiental existe, então não precisamos pensar de forma precaucionária. E esse é meu ponto: acho que devemos sim, porque estamos imbuídos de Incerteza Radical quando aos fenômenos da natureza.

Gustavo T. Orsolin disse...

Embora não trate de questões ambientais, talvez uma referência legal no tema seja o artigo do Metcalfe - Institutions and progress. Nele, o autor fala que, sob o capitalismo, o progresso ocorre na média. Há ganhadores e perdedores, a la Schumpeter, sem necessidade de compensação entre eles - sem equilíbrio. Ele discute a noção de "progresso" salientando que ela estará, invariavelmente (e acho que aí está o ponto de convergência com o tema do post - com o qual eu concordo), relacionada a questões materiais, sem se limitar a elas!
Quanto a colocar neoclássicos e keynesianos no mesmo saco, gostaria muito de ler esse artigo para ver como ele justifica esse argumento (mas vai ter que ficar pra depois). O próprio Metcalfe cita Keynes quando fala sobre a importante e difícil definição de progresso - "não há dúvidas de que a Rainha Vitória foi mais rica do que a Rainha Elisabeth Primeira, mas será que ela era mais feliz?" - ou algo do tipo... Pra falar precisamente, eu precisaria retornar aos textos. Mas acho que a abordagem evolucionária pode ser um dos pontos de vista a considerar. Talvez o "além-da-renda" não seja a preocupação central destes autores - por questão de problemática, especialmente dos evolucionários (mais notadamente nos "mais" neoschumpeterianos) -, mas acho que não podemos dizer que eles negligenciam essas questões.
No mais, acho a discussão muito importante (bem como complexa e ampla). Assunto pra tese mesmo! Ou dissertação de um cara como tu. Belo post!
Grande abraço

Gustavo T. Orsolin disse...

Retificando meu comentário, vi agora que o lance dos neoclássicos e keynes é por não considerarem questões ambientais - teu foco no post.
De fato, isso parece negligenciado em keynes, neoclássicos e também nos evolucionários (pelo menos na parte que eu conheço de cada).
Eu acho super importante que o assunto seja tratado por economistas. Só acho que precisamos cuidar pra não achar que o assunto deve ser tratado por todos.
Não dá pra priorizar tudo. A especialização em uma área é ignorância treinada nas demais. Vai parecer que eu adoro o cara, mas acho que essa tb é do Metcalfe. hehehe...

SpaceWagner disse...

Caro Gustavo,

Obrigado pela contribuição! Mesmo não sendo um autor que trate diretamente do tema que tratei, tenho certeza q pode ser uma contribuição interessante!

O assunto deve ser tratado por economistas na medida em que lida com o cerne da ciência econômica: os recursos. Eu acho que a preocupação deve ser global e comum às pessoas, mas com cuidado para que o assunto não se torne o que é, de fato: unanimemente aceito mas vagamente discutido. Temos que superar isso na intenção de criar uma base científica coerente com a situação em que estamos inseridos.