quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Mudança Climática é... Veblen!


Para quem teve o prazer de fazer alguma disciplina com o Prof. Octávio Conceição (UFRGS), provavelmente não sentiu falta de familiaridade com o título. Para os que não tiveram esse prazer, não se preocupem, o resto da postagem não exige esse pré-requisito.

No entanto trata essencialmente da capacidade que esse professor tem de provocar brainstorms e insights interessantes nos alunos. E mais, da capacidade que a abordagem institucionalista por ele advogada tem de fornecer um arcabouço interessante para entender os mais diversos problemas da sociabilidade humana. Suas aplicações possuem um horizonte de perder de vista.

Eu me vejo interpretando as coisas com esse background o tempo todo! E essa postagem vai servir, para além de publicar um desses insights que tive, como uma homenagem à essa figura lendária da Economia da UFRGS. Atento para o fato de que se trata de uma maneira pouco rigorosa de usar a abordagem institucionalista para jogar luz num problema, pois é assim que escrevo no blog. Se fosse pra ser rigoroso eu teria feito um artigo científico...bom, até que não é má ideia!

...

Essa postagem também poderia se chamar "O problema da Autoridade Internacional e a Soberania dos Países: uma perspectiva institucionalista diante da Mudança Climática". Mas além de muito grande, é muito acadêmico. Mas bom, acho que cumpriu a função de introduzir o tema.

Existe evidência que os indivíduos vivendo em uma sociedade criam instituições para regular suas interações. A perspectiva mais ampla dessa ideia, voltando aos primórdios do pensamento do Thorstein Veblen, advoga que instituição pode abarcar desde regras formais, organizações burocráticas até hábitos de pensamento compartilhados por um grupo de pessoas, a linguagem, normas implícitas, informais, padrões de comportamento, etc... Trata-se de qualquer aparato socialmente gerado pela interação dos indivíduos (que "emerge" dessa interação) e que volta a exercer uma influência nessa interação, seja limitando, restringindo a ação individual, mas ao mesmo tempo expandindo e possibilitando que certas ações possam acontecer.

Thorstein Veblen não era conhecido pela elegância

A linguagem pode ser um exemplo bem didático de entender isso. Os seres humanos a criam como um meio para se comunicar. Afinal, como iriam se comunicar se não criassem a linguagem? (linguagem é mais amplo que língua, vale ressaltar - meu amigo linguista oficial pode me corrigir se eu estiver errado!). Esse mecanismo criado exerce uma influência "expandindo" sua ação: agora ele pode se comunicar com os outros e ser entendido! No entanto ela ao mesmo exerce uma influência limitante: um determinado código só pode ser entendido por um grupo limitado de pessoas. Exemplo básico: se você fala português, você só pode exercer a ação de se comunicar em português com pessoas que também conhecem esse código. A limitação é necessária para a expansão, elas andam juntas.

Acho que posso induzir que os seres humanos animais racionais e sociais não podem viver sem criar instituições. É algo inerente do seu caráter de viver socialmente. Pra usar uma célebre frase do nosso professor supracitado "junta dois indivíduos e você já tem uma instituição!". A grande questão surge: porque criamos instituições? Me parece que elas surgem do fato de surgirem "problemas sociais" para resolver. Pra continuar no exemplo da linguagem...surge o problema da comunicação com o outro, a instituição surge pra resolver esse problema. Logo, a interação dos indivíduos gera constantemente problemas para resolver e, como resultado, instituições.

Passei muito rápido e foquei num ponto específico do pensamento institucionalista, mas a ideia era...só trazer a ideia! Ainda teria muito mais coisa pra comentar sobre isso. Mas, prossigo!

Com um pouco de medo de estar colocando "Uberlândia dentro de Araguari" ou "Porto Alegre dentro de Canoas", eu me arrisco a dizer que dá pra usar este framework de análise pra jogar uma luz no processo pelo qual os indivíduos criaram autoridades centrais, organizações poderosas e fortes que congregam e legitimam demais instituições, essencialmente, os Estados como conhecemos hoje. Alguns autores clássicos da Filosofia Política formularam teorias nesse sentido (poderíamos nos referir aos contratualistas, por exemplo). Eu diria que é uma forma de teorizar sobre o Estado como uma instituição, assim como a Ética, o código de Leis, etc...

Meu objetivo não é formular uma teoria que exija um pressuposto forte sobre a natureza humana (como o faz Hobbes, por exemplo), mas tampouco usar a evidência que temos da observação filosófica de que os seres humanos desenvolvem mecanismos de autoridade. Isso parece uma constante na vida humana em sociedade. Os psicólogos sociais tratam isso como um traço essencialmente humano e estudam formas de entender como isso acontece. A pergunta mais difícil seria porque isso acontece. Vou confessar com certo derrotismo que não é essa pergunta que procuro responder, pois me parece quase óbvio dizer que quase toda forma de sociabilidade humana gerou alguma figura central de autoridade (que assume diversas formas, sendo o Leviatã hobbesiano apenas uma dessas formas possíveis).

Sequência lógica do argumento: problemas sociais surgem da interação dos indivíduos > indivíduos criam instituições > instituições regulam a ação dos indivíduos. Ressalto: essas instituições não necessariamente resultarão em "arranjos eficientes", afinal existe muita incerteza quanto aos seus resultados e nada está dado a priori. Tudo depende de como se dará a adequação dessas instituições...o que acontece num processo muito semelhante à evolução biológica: com seleção, variação e adaptação (esse insight não é meu, é do Veblen e muito desenvolvido por Geoffrey Hodgson).

Hora do pulo radical.

No lugar do problema social, colocarei a Mudança Climática e no lugar dos indivíduos colocarei os países. NONSENSE! Que coisa bizarra que você fez! Sim, é por isso que estou escrevendo no blog.

Estudando um pouco sobre regulações ambientais em nível internacional, convenções, etc.. percebi que está acontecendo um processo institucional típico para com essa questão. As evidências "cada vez mais evidentes" da Mudança Climática constituem um problema social daqueles (não vou abrir esse tópico, gastaria muito mais texto do que já tem). Grande, incerto e global. Bem mais difícil de resolver do que "quem vai levar o filho na escola hoje" ou mesmo do que "qual será a taxa de juros", por envolver não 2, nem 190 milhões, mas 7 bilhões de pessoas (e mais alguns bilhões que não nasceram).


Diante do problema, o que os indivíduos fizeram? Sim, criaram instituições. Ou pelo menos tentaram...passa ano e mais ano, convenções são realizadas sobre o tema, tentativas de acordo falham, países se comprometem, outros não, protocolo de Montreal dá certo e protocolo de Kyoto não, enfim... O processo evolucionário das instituições está acontecendo para todos verem!

A questão é que os debates que geram essas instituições acontece entre partes que são, na verdade, representantes de países inteiros, cada um com a sua soberania. Soberania é o direito de autodeterminação e autoridade sobre o próprio território que os países possuem. Como cada país é soberano, não existe possibilidade de obrigar ninguém a fazer alguma coisa em uma esfera "supranacional". Por isso os Estados Unidos simplesmente não assinaram o protocolo de Kyoto. Logo, digamos, as instituições são meio "capengas", porque não servem de fato para resolver o problema. Mas não é nada fácil chegar a um acordo! Poxa, se um acordo entre duas pessoas já é difícil, imagina entre vários países inteiros? É, mas isso é necessário.

Observei mais cedo que as sociedades humanas desenvolvem algum tipo de autoridade central. Me parece que estamos aos poucos encaminhando para isso mais uma vez. Talvez desenvolver uma autoridade acima da soberania de cada país seja necessário para criar acordos formais para além de regras informais, mecanismos que possibilitem adaptação e adequação à regras. E sim, um mecanismo de enforcement e punições quando necessário. É o preço que se paga para se ter um determinado benefício (no caso, combater a Mudança Climática e preservar a sobrevivência humana mais um tempo no planeta). Os acordos que temos são fracos, não possuem legitimidade porque não existe uma instituição capaz de referendar isso. Quando se lê algum documento da UNFCCC dá pra perceber que não existe nem regra de decisão para votações: só acontece alguma coisa quando há consenso geral. Assim, só precisa de uma opinião contrária para haver veto. Nessas condições, não há como o processo institucional andar na velocidade compatível à do problema da Mudança Climática.

Eu sei que tenho que tomar muito cuidado pra falar essas coisas. Daqui a pouco vem gente me acusar de estar advogando por uma "ditadura da ONU" ou "mecanismo de legitimar a influência dos EUA nos países", etc... Com certeza a maior limitação desse problema é o fato de que as "partes" dos acordos são completamente heterogêneas e possuem influência e poder completamente díspares. E o resultado disso poderia ser bizarro (Veblen já chamava atenção para a possibilidade de imbecile institutions).

No entanto, o objetivo da postagem é chamar a atenção para algo observável... se é historicamente verificável que criamos instituições que exercem autoridade para resolver questões sociais, não seria a Mudança Climática um desafio para se fazer isso em nível global? A grande questão seria como criar um mecanismo institucional que exerça autoridade internacional mas que não seja capturado pelos interesses de alguma parte? (esse é um perigo que envolve qualquer instituição e de fato acontece em certos Estados Nacionais).

Um caminho possível é o caminho que a gente já conhece. Não dá pra receber algo sem dar algo em troca...abrimos mão de certas "liberdades" para garantir outras "liberdades". É muito díficil mexer em coisas tão "imexíveis" como é o caso da Soberania Nacional, mas talvez seja necessário limitá-la para que certas ações possam acontecer. Existe um debate dentro do Direito Internacional e mesmo da Filosofia Política sobre a necessidade de um Estado Mundial contra algo como uma "Comunidade Internacional". Sem entrar muito nesse debate, a ideia é sinalizar que alguma autoridade precisa existir. Muito cuidado novamente, não se trata de "autoritarismo", mas de haver algum mecanismo institucional que garanta o cumprimento de um acordo.

Talvez eu esteja traçando um cenário ideal, mas acho que o processo institucional envolve mecanismos de aprendizado. As muitas tentativas (fracassadas) de acordos sobre Mudança Climática revelam um processo de aprendizagem. E parece possível observar uma trajetória rumo à criação de alguma autoridade internacional, mesmo que os interesses nacionais ainda falem muito alto nessas discussões. A Mudança Climática exige que pensemos o ser humano como uma espécie só, apesar das diferenças. Exige uma resposta global e não de alguma nação específica.

Por fim, apenas uma observação. Instituições têm uma função primordial: servir de guia para atuação diante da Incerteza. Se eu não sei se você vai me matar e se você não sabe se eu vou te matar, talvez o melhor é estabelecer uma regra em que não podemos matar, assim a gente pode viver. Se eu não sei até que ponto posso poluir e você também não, talvez o mais adequado seja criar um mecanismo que evite que se polua, até porque ainda não sabemos direito que consequências isso pode ter. Assim concluo dizendo: Mudança Climática é, essencialmente, um problema social e institucional.

2 comentários:

Rocker disse...

Doido!
Sobre língua e linguagem... Ainda preciso estudar algumas nuances existentes nesse parzinho, mas até onde entendo, há pelo menos duas formas de se enxergar essa questão: (1) a linguagem como capacidade humana "inata", e a língua como um sistema organizado; ou (2) a linguagem como sistema organizado, e a língua como um exemplo de linguagem. Parecem duas definições muito parecidas, mas existem diferenças que trazem questionamentos importantes: levando isso pro seu post, acho que o que eu expliquei no (1) se relaciona mais facilmente com o que vc escreveu. Considerando a linguagem como capacidade humana inata, ela não seria uma instituição, mas sim outro exemplo de "coisas que vem da capacidade inerente do ser humano de viver socialmente". A língua, sim, seria uma instituição. Já estou me arriscando um pouco com essas afirmações, mas é um ponto legal pra discutir...
Sobre criar uma autoridade supranacional pra regulamentar políticas ambientais... Eu juro que pensei exatamente "noh mas e a ONU... noh mas e o poder norte-americano..." antes de ler o parágrafo seguinte em que você faz um adendo justamente em relação a essas duas coisas! hehe... mas acho que são pensamentos que inevitavelmente decorrem da sua proposta. Talvez seja, de fato, um caminho, mas tem que pensar direitinho como implementar... Só esse tópico do seu post já daria outro post, ou livro.
Mas acho o paralelo que você fez bastante válido! E também acho que o uso que você tá fazendo do blog evoluiu de um jeito interessante. Você continua usando ele pra "jogar as idéias", mas agora tem a vantagem de ser um ambiente pra depositar as ideias aparentemente "doidas", "absurdas" ou "NONSENSE!!", mas cuja natureza caótica serve pra evidenciar o que eu gosto de dizer sobre o pensamento humano ser orgânico, e não sistematizado. A sistematização é uma consequência das instituições, como você bem diz!

Unknown disse...

Gostei, Wagner T.
Engraçado que a leitura que você fez disso tudo eu consigo transplantar para os problemas relacionados ao setor financeiro e as crises do capitalismo, hehe.
Mande bala!
Abraços!