segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Fevereiro de 2008 - Nietzsche e os Ressentidos



Num momento de grande nostalgia, de volta a minha cidade natal e ao apartamento onde vivi de 1996 até 2008, muitas memórias vem à tona, e até o desejo de mexer em coisas há muito tempo esquecidas em algum canto da mente... e do computador.

Acabei encontrando um texto que escrevi em fevereiro de 2008, supostamente uma postagem em um blog que eu junto com dois amigos criávamos na época, mas que acabou nunca andando. Talvez ali estava o germe do "espaço para ideias espaçosas". O texto trata de uma reflexão sobre o ressentimento na sociedade contemporânea, e ele me revelou coisas sobre o que eu penso hoje de uma forma impressionante.

O mais interessante foi ver que essas reflexões foram realizadas por um Wagner que sequer tinha estudado Economia a fundo (tinha feito apenas 1 ano de curso), mas que já demonstrava interesse por temas tão caros a essa ciência, em especial no que tange suas abordagens críticas. Isso sem contar o interesse pela psicologia, que se impõe pelo próprio tema discutido. A dupla via entre indivíduos e sociedade e a complexidade dessas relações já eram objeto de instigação em plenos 18 anos de vida.

Já tinha uma preocupação com a questão da educação e já via uma questão ética contraditória no capitalismo. Existe um código ético/legal que emerge do modo de produção capitalista, no entanto o próprio sistema impele a comportamentos “anti-éticos”? A relação entre ética e capitalismo é também contraditória... deixei essa parte em evidência em negrito no texto.

Enfim, reproduzo o texto na íntegra. Obviamente que se eu fosse escrever sobre o assunto hoje, o texto seria totalmente diferente, sem no entanto perder a essência de muitos desses insights. Geralmente quando eu leio um texto escrito por mim a muito tempo atrás eu tenho vontade de jogá-lo no lixo. Esse foi diferente. Esse eu tive vontade de postar no blog.

***

"Nietzsche e os Ressentidos - Fev/2008"

O mundo de hoje passa por várias modificações e processos que sempre viabilizam a rapidez, a tecnologia e o capital. Nesse mundo não há espaço para todos, ou seja, há vários que são excluídos do modo como a sociedade evolui, mas sempre a globalização torna a envolver tudo numa perspectiva pragmática da evolução das técnicas de produção e das relações sociais. Como em qualquer outra sociedade, o capitalismo gera diferentes estereótipos humanos, sejam os consumistas, os roqueiros, as patricinhas, os “emocore”, enfim, aquela coisa que todos nós vemos e revemos todos os dias. Nessa discussão pretendo focalizar um desses estereótipos criados pela nossa sociedade...”Os Ressentidos”.

Primeiramente, o que são os ressentidos?

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Recorro a Nietzsche para me ajudar nessa definição. Ressentido é aquele indivíduo que, por não conseguir exteriorizar um sentimento por alguém ou em relação a alguma situação qualquer, tem o sentimento retornado para si mesmo (por isso Ressentimento, o “RE” traz a semântica de “retorno”). Esse retorno só pode dar-se de forma negativa, pois, ao retornar, o indivíduo começa a se fantasiar, a ruminar antigos pensamentos e idealizar, o que o afasta da sua realidade e do mundo que o cerca.
 
Ainda recorrendo a Nietzsche, que se autodenomina 'O Psicólogo' por investigar principalmente a alma humana, observamos que o ressentido também sente aquilo que qualquer humano pode sentir: a inveja, o ódio, a raiva, a cobiça, porem prefere não exteriorizar esses sentimentos e acaba por planejar aquilo que Nietzsche chama de 'vingança adiada', que é uma vingança que o indivíduo trama contra a situação que o atordoa, porem nunca a executa, vivendo numa eterna fuga a fantasia. 

Agora, complementando Nietzsche, o ressentido também é aquele que, por ter vivido enclausurado pela guarda dos pais enquanto criança, não conheceu os desafios do mundo, e sempre foi bem amado e exige do mundo o mesmo. A isso denominamos 'covardia moral'. Termino aqui minha paráfrase acerca dos conhecimentos de Nietzsche, agora parto para uma relação mais profunda.


Tendo definido e analisado o ressentido, agora pensamos: qual a relação desta psicologia e a nossa sociedade capitalista mencionada no início deste texto?

É um raciocínio simples. Veja como o ressentido não está pronto para os desafios que o mundo oferece. Se na época de Nietzsche isso já era muito próprio, imaginemos na nossa sociedade, que jamais pediu tanto de nós humanos para sermos máquinas de trabalho e geração de capital e consumo (não que naquela época as coisas eram mais fáceis, mas hoje elas acontecem de modo mais apressado). Aquele que, por ter vivido sempre na cúpula do amor familiar e agora é covarde para enfrentar este mundo se torna ressentido. 

Voltemos à definição: o ressentido é aquele que não consegue exteriorizar os sentimentos e por isso, volta pra si mesmo. Se, vivendo sob uma superproteção familiar, o indivíduo não desenvolveu a coragem, também não pode ter desenvolvido completa sociabilidade, e, portanto, não sabe como exteriorizar seus sentimentos em relação à dura realidade do mundo atual, e, então, volta o sentimento pra si mesmo, de forma negativa e começa a se isolar do mundo. Como Lord Byron diria, temos mais uma vez os ultra-românticos, envolvidos pelo tédio existencial. 

A nossa sociedade capitalista se torna cada vez mais característica pela presença de ressentidos. Aumenta a procura por livros de auto-ajuda e por antidepressivos, o que, com certeza, não cura uma má formação familiar (até porque atualmente, no Brasil principalmente, a educação não tem o valor que deveria ter). O ressentido não tem coragem para enfrentar o que o mundo assegura para sua vida, não tem vontade de seguir em frente, vive um eterno mundo interior idealizado, é derrotado pelos desafios sociais.

A solução para isso?

Talvez os filhos não devessem ser criados com exacerbado amor e abrigo e serem formados para o mundo que os espera. Infelizmente, o mundo capitalista exige de nós algumas coisas que, se não as fizermos, nos tornamos ressentidos fracassados.


Agora, concluindo essa discussão. 

A sociedade cria certos valores para serem seguidos, algo exterior aos indivíduos, mas não podemos negar que a sociedade também adquire diferentes paradigmas de acordo com as vontades dos indivíduos. A sociedade capitalista exige trabalho e dedicação profissional máxima (ou em alguns casos, falta de honestidade!) mas também cria máscaras para os problemas criados dentro dela mesma. Os ressentidos surgem a partir de um valor social que não foi seguido como a sociedade previa (isso não significa revolta, me refiro à preguiça intelectual) e ganham máscaras sociais, ou remédios que não fazem efeito social, os livros de auto ajuda e os remédios antidepressivos estão aí. 

"O ressentido é o escravo que não consegue impor sua vontade". (Friedrich Nietzsche 1844-1900) 

Agora fica com vocês meus amigos, analisarem e serem convictos a partir dessa discussão sobre os ressentidos. 

E deixo uma vinheta: 
Ditados populares às vezes devem ser lidos mais de uma vez: 
*É melhor prevenir do que remediar*

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