domingo, 20 de julho de 2014

Keynes utilitarista?

Wow, quantas moscas e teias de aranha por aqui. Muito tempo sem postar, pouco tempo sobrando ou procrastinação demais, não sei, só sei que enquanto eu to escrevendo tem muita gente morrendo no Oriente Médio.

Postagem rápida a partir de um (não) insight também rápido. O objetivo é compartilhar, saber a opinião de vocês, discutir e eventualmente ver se procede o questionamento. Se proceder, legal, "tem que trabalhar isso aí", se não, bom, pelo menos tirei as teias de aranha.

Pessoal adora citar a seguinte passagem do "General Theory of Employment", clássico artigo do Keynes de 1937 em que ele deixa claro sua ideia de "incerteza fundamental" ou seja lá como queiram chamar. To falando disso:

"By “uncertain” knowledge, let me explain, I do not mean merely to distinguish what is known for certain from what is only probable. The game of roulette is not subject, in this sense, to uncertainty; nor is the prospect of a Victory bond being drawn. Or, again, the expectation of life is only slightly uncertain. Even the weather is only moderately uncertain. The sense in which I am using the term is that in which the prospect of a European war is uncertain, or the price of copper and the rate of interest twenty years hence, or the obsolescence of a new invention, or the position of private wealth-owners in the social system in 1970. About these matters there is no scientific basis on which to form any calculable probability whatever. We simply do not know"

Em geral as pessoas citam até aqui. Usualmente o objetivo é mostrar o que o Keynes entende por incerteza. E acho que ficou bem claro né? Não quero entrar na discussão sobre em que medida isso tá relacionado 1) com a ideia do Frank Knight (1921 - Risk, Uncertainty and Profit) e 2) com a epistemologia construída pelo próprio Keynes desde o seu tratado da probabilidade.

Raramente vejo as pessoas citarem o que vem logo depois dessa passagem! E por sinal, estava lendo um texto para a dissertação que citava (viu, eu estava sendo produtivo, pasmem!). Depois que definiu incerteza, o Keynes vai tentar definir o comportamento das pessoas diante dela. E vejam só:

"Nevertheless, the necessity for action and for decision compels us as practical men to do our best to overlook this awkward fact and to behave exactly as we should if we had behind us a good Benthamite calculation of a series of prospective advantages and disadvantages, each multiplied by its appropriate probability, waiting to be summed" (grifo nosso).

Ou seja, se eu entendi bem, na prática os indivíduos serão compelidos a agir "as if" eles soubessem as probabilidades das opções que se colocam, fazendo um cálculo BENTHAMITA de custos e benefícios que são agregados e tal. Interessante que o autor coloca uma dimensão "prática" para o cálculo utilitarista, mas ele parece supor exatamente que os seres humanos não vão utilizar outras heurísticas comportamentais usualmente utilizadas sob incerteza, do tipo daquelas levantadas posteriormente por Daniel Kahneman e Amos Tversky.

Não posso ser injusto com o Keynes, ele descreve todo um argumento subsequente mostrando que a retenção de moeda surge como um comportamento convencional parte intuitivo e parte racional que emerge da incerteza. Mas há algo que ressalta aos olhos, que é o fato de que o Keynes antecipa na sua teoria um argumento hoje clássico da chamada "teoria da maximização da utilidade esperada" que responde à incerteza com "probabilidades subjetivas" e "cálculo bayesiano".

Ele parece sugerir que o cálculo benthamita é uma prescrição "normativa" com a palavra "should" ali. Como se ele tivesse dizendo > incerteza existe, não dá pra fazer cálculo racional com probabilidades objetivas, mas a gente calcula mesmo assim, "as if".

Sendo assim, fica a pergunta: seria Keynes um utilitarista? não não, odeio esse tipo de pergunta retórica. O correto seria: em que medida Keynes possuía ideias derivadas do utilitarismo predominante na economia?

Fica pra reflexão, alguns diriam.

Termino com uma citação do próprio autor!

3 comentários:

Anônimo disse...

Interessante tua proposta, mas o teu questionamento precisa de algumas perguntas um pouco mais profundas para uma resposta satisfatória. Primeiro, qual seria a tua concepção de "utilitarista"? Que se pautam fundamentalmente na teoria marginalista de valor ou que simplesmente adotam como verdadeira a premissa benthaminiana do comportamento "pleasure-oriented"?

O termo "utilitarista" pode, epistemologicamente, descrever as duas definições mas, enquanto uma não discorre em nenhum momento sobre o impacto dos custos de fabricação ou, sob uma perspectiva clássica, do valor-trabalho, a outra simplesmente não trata do valor, caracterizando-se simplesmente por uma premissa que permite uma análise positiva da decisão econômica individual.

Obvio que Keynes era adepto da segunda visão; não existia uma estrutura científica que possibilitasse qualquer questionamento à visão benthaminiana de comportamento decisório antes do advento dos primeiros textos da economia comportamental (principalmente Stroz, 1954 e Kahneman e Tversky, 1972 e 1979) que permitisse uma análise que, ainda que fundamentalmente macroeconômica, avaliava o comportamento individual e extrapolava este comportamento para um conjunto no qual 1) existe incerteza (evento não probabilizável) e 2) existem custos de comércio (ainda que não explícitamente em sua obra).

Esta visão dele é completamente condizente com a base do ensino de economia que vigora até hoje. É diferente, por outro lado, de chamá-lo de adpeto da teoria marginalista, pois a obra dele claramente não corresponde ao paradigma do equilíbrio geral Walras-Edgeworth. Mesmo os textos de economia comportamental não sugerem uma mudança significativa do processo decisório individual, como indicam Glimcher (2004) e Camerer et ali (2004), que afirma que os papers em economia comportamental apenas modificam alguns pressupostos básicos dos modelos neoclássicos, sem alterá-los significativamente (ou seja, sem destoar do princípio benthaminiano de decisão "pleasure-oriented"). Keynes, que era muito menos revolucionário no tópico de decisão individual do que os economistas comportamentais, não deveria destoar significativamente disto.

Unknown disse...

Pensando sobre o comentário, que foi muito explicativo! Mas antes de re-responder, gostaria de saber quem o escreveu! haha

Anônimo disse...

Deixa de mimimi e responde logo!