quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ortodoxia... só que ao contrário.


Começo essa postagem com uma contribuição etimológica. A Etimologia é uma ciência extremamente importante para desfazer certos mal-entendidos e evitar outros. Todo economista, em particular, deveria consulta o significado histórico de algumas palavras antes de utilizá-las.

Vamos lá, me arriscando a partir de uma breve pesquisa virtual...

Ortodoxia = do grego Ortho + Doxus, "ortho" significando aquilo que é preciso, correto, exato e "doxus" significando opinião, mas também podendo ter significado de ensino. Basicamente o ortodoxo seria "aquele que possui a opinião correta". Isso no sentido original.

A palavra ortodoxo no português está ligada a "conformidade absoluta com um certo padrão, norma ou dogma" segundo o wikcionário. Um exemplo que pode elucidar o significado é o da Igreja Ortodoxa, que diz-se seguir rigorosamente os dogmas originais cristãos, sem ter sofrido modificações ou concessões. Seriam eles os portadores da visão "correta", mas correta no sentido de mais próxima à "original", sem entrar em juízo de valor.

Em Economia, ortodoxia está ligada ao mainstream economics, a chamada corrente teórica convencional, a mais amplamente aceita nos debates internacionalmente, cujas raízes estão na revolução marginalista do século XIX, mas isso é história pra outra postagem. Inclusive depois acho que a gente podia fazer uma força tarefa pra dar uma melhorada em algumas páginas do wikipedia sobre Economia, que considero estarem fracas, com pouco conteúdo, e às vezes, viesadas.

Tá, a pergunta que eu me fiz outro dia é porque essa corrente é chamada de "ortodoxa". Será que essa denominação não teria sido dada exatamente pelos críticos a ela?

Em busca de uma explicação etimológica, por um lado, eles seriam os "portadores da opinião correta", mas aí o correto tem que ser entendido como o "mais aceito". Bom, pelo menos existe a pretensão para tal, mas existem muitas correntes teóricas ditas "heterodoxas" (não é simplesmente o contrário de ortodoxo, é aquilo que se opõe ao ortodoxo, porém de forma plural e heterogênea, como sugere o prefixo da palavra) que não acham que eles sejam portadores da verdade.

Eu particularmente prefiro acreditar em ortodoxia com o sentido que ela recebeu no português. A palavra me transmite uma ideia de dogmatismo, de arraigamento, de pouca flexibilidade e contrária ao pluralismo. Entendendo dessa forma, ortodoxia torna-se diferente de mainstream economics, podendo existir também do lado "heterodoxo".

O que quero dizer é que bem um neoclássico como um marxista ou keynesiano, seja lá o que for, todos podem ser ortodoxos ou não nesse sentido! E minha opinião particular sobre isso é que a ortodoxia nesses termos em nada ajuda no debate. Ortodoxia é ruim, nesse ponto de vista, para o desenvolvimento da ciência, seja a ortodoxia de fato ou a ortodoxia ao contrário, a "ortodoxia dos heterodoxos".

Caros heterodoxos, dentro dos quais me incluo. Respeitemos a etimologia da palavra! Sejamos plurais, e não ortodoxos, de fato! A construção do conhecimento passa pelo debate construtivo (tautologia necessária), pela defesa de ideias de forma bem embasada e não apelativa. Ninguém é dono da verdade!

Reflexões etimológico-econômicas incentivadas pelo debate no seminário de pesquisa do PPGE ontem.

7 comentários:

Gil disse...

Esse é realmente um bom debate. Mas, juntamente com a etimologia, acho que a gente também poderia fazer uso de outro campo do conhecimento, que é a epistemologia ou filosofia da ciência. Digo isto porque penso que essa conceituação de ortodoxo/heterodoxo que é aplicado à economia, se baseia numa epistemologia quase kuhntina, ou seja, é ortodoxo e heterodoxo dentro do paradigma aceito pela comunidade científica da economia. Por isso, o keynesianismo foi dito como ortodoxo durante um certo tempo.
Eu discordo veementemente dessa compreensão. Por isso, me aproximo mais da ideia de Lakatos de programa de pesquisa científico. Aí sim a gente poderia falar de ortodoxo e heterodoxo, porém circunscrito ao dito programa. Quem é ortodoxo dentro do marxismo e quem é heterodoxo? E dentro do neoclassisimo ou keynesianismo? Não há um único paradigma na economia, assim também como não há em várias outras ciências. Há sim, diversas formas de compreender o objeto de estudo e avançar nas pesquisas.
Forte abraço!

SpaceWagner disse...

Grande Gil!

Ótima contribuição, muito bom você ter trazido a epistemologia pro debate. Acho que faz bastante sentido analisar a questão pela segunda abordagem que você colocou!

Ao meu ver, dentro de cada uma dessas "formas de compreender o objeto" existem aqueles que são mais ou menos ortodoxos no sentido como coloquei na postagem.

Uma coisa que o Conceição fala e eu concordo. Os heterodoxos precisam conversar mais. Muitas vezes um marxista nao conversa com um keynesiano ou vice versa, quando que a contribuição de cada um traz as vezes um argumento que pode mais forte para criticar um outro ponto de vista!

Gustavo Goudard disse...

Boa Wagner! Esse é um ótimo debate e que em torno dele há, infelizmente, muitas concepções erradas, principalmente daqueles que ingressam no estudo das ciências econômicas. Um exemplo é acreditar que quem é ortodoxo se utiliza de matemática e quem é heterodoxo se utiliza de história. Como você bem explicou, a questão não é essa. Contribuiu bastante. Parabéns!!
Abraços

SpaceWagner disse...

Caro Gustavo!

Ótimo você trazer essa questão do instrumental, porque isso foi tema de discussão ontem. Outra "ortodoxia dos heterodoxos", ou melhor, de alguns deles, é relegar o instrumental matemático, estatístico, etc a um segundo plano. Ele não só é extremamente útil como é um subsídio muito forte para argumentação. Não deve ser criticado, deve ser trabalhado e usado a favor de uma determinada argumentação!

Claro, lembrando sempre que ortodoxia pra nenhum lado é bom. As críticas devem ser feitas àqueles que acreditam cegamente no instrumental com pouca ou fraca formulação teórica, ou ainda aqueles que estimam regressões pra tentar encontrar relações entre variáveis sem ter estabelecido um objeto a priori. Isso existe, e também deve ser combatido.

Gustavo T. Orsolin disse...

Achei muito bom o texto, assim como os comentários. E acho bom ver que o "debate" (ênfase nas aspas) de ontem serviu para algo produtivo. Eu concordo plenamente com a tua opinião, Wagner. Eu sei que insisto na lente e no tapa-olho, do Minsky, mas acho que a citação dele cai bem aqui também. Uma teoria, ao mesmo tempo que coloca uma lente em algumas questões, sempre limita o campo de visão. Cabe a nós usá-las reconhecendo suas limitações.

SpaceWagner disse...

Caro Gustavo, sua insistência com essa citação só pode ser porque ela é, de fato, uma ótima citação! hehe

É isso aí mesmo, a gente vive num mundo de contradições e é com elas que precisamos saber lidar!

Debora disse...

Se não é mainstream, é hipster?

hehe