terça-feira, 30 de agosto de 2011

Reflexões monográficas


       O estudo da Ciência Econômica é um desafio constante. É um processo recorrente de colocar em xeque concepções pré-estabelecidas sobre o mundo em que vivemos, sem necessariamente substituí-las por outras, afinal, o que faz o conhecimento não são necessariamente as respostas, mas os questionamentos. Durante o período em que cursei o bacharelado em Ciências Econômicas da Universidade Federal de Uberlândia, muito aprendi, mas também ampliei o escopo daquilo que se há de aprender. Uma vez li uma poesia, antes de entrar na universidade, que diria que nós saímos dela mais verde do que entramos, considerando a relatividade desse verde. Nesse sentido atribuído pelo autor da poesia, creio que o mundo será eternamente verde, pois haverá sempre o que descobrir.

       Ter feito esse curso foi essencial para manter acesa a chama da busca constante pelo conhecimento do mundo, por meio da razão e da experiência. Foi o motor da criação e consolidação de algum senso crítico. Foi de uma importância ímpar, fornecendo as ferramentas e as discussões de base para compor uma visão de mundo. Foi esclarecedor, inquietante, questionador e provocador. E é isso que faz alguma diferença na busca pelo conhecimento. Não quero fazer apologia crua do curso, quero apenas ressaltar seus pontos positivos, não desconsiderando a existência dos negativos.

       Existe algo que logo no início do curso nos é ensinado: a existência de uma dimensão normativa e de outra positiva dentro da ciência em geral. A primeira trata, grosso modo, daquilo que deveria ser, enquanto que a segunda trata daquilo que é de fato. Durante o curso, essas duas dimensões aparecem constantemente, pois antes de fazerem parte da discussão econômica, são parte integrante do pensamento humano: estamos sempre no embate entre aquilo que somos e aquilo que achamos que devemos ser. No caso específico da ciência econômica, em que estudamos os arranjos sociais e produtivos em torno dos quais nós seres humanos nos organizamos, esse embate é patente e essencial para seu desenvolvimento. Estamos fervorosamente buscando saber o que de fato é a realidade em que vivemos e ainda buscando entender como ela deveria ser. 

       Desconheço uma referência que tenha dito o que vou colocar agora, mas creio que ela exista e provavelmente de forma não singular, mas vejo que o embate teórico mais evidente da teoria econômica, ou seja, aquele entre a economia “convencional” composta pela visão neoclássica e aquele da economia “heterodoxa”, composta pela visão crítica à primeira, nada mais é do que a expressão do embate entre o que deveria ser e o que é. Ora, a primeira constrói modelos baseados em pressupostos na maioria das vezes ideais, na busca daquilo que seria uma situação equilibrada e ótima para todos os indivíduos, enquanto que a segunda analisa a realidade e mostra as contradições que nela subsistem. A primeira vê os problemas como um desprendimento da trajetória em busca do que deveria ser a economia, mas a segunda os vê como parte integrante da realidade dessa economia. 

       
       Considero que o debate teórico é essencial para o desenvolvimento de uma ciência, e o debate entre duas visões foi crucial para a consolidação da ciência econômica e para a proposição de soluções para os problemas da humanidade. Mas deve-se prestar atenção para que do debate sempre surjam novas colocações, afinal cada lado desse embate tem o que contribuir. Lembremos de Hegel: a uma tese sempre corresponde uma antítese e do embate delas se forma uma síntese (que por sua vez se constituirá em nova tese). Coloco isso pois considero que existem momentos em que o debate é feito de forma irracional, pois na verdade cada lado dele está falando de uma coisa totalmente diferente. Cabe entender o que cada um tem com o que contribuir. 

       Penso que esse momento, de fechamento do curso, é o momento de fazer a síntese a partir de todas as teses e antíteses abordadas, de modo que isso constitua uma nova tese. Aqui falo de ciência, e não de política, por isso não acho que seja o caso de mostrar uma “filiação” (e esse é o termo utilizado) para alguma determinada corrente teórica, mas mostrar que é possível fazer ciência mostrando a contribuição de cada um, colocando sempre em voga o debate entre aquilo que é e aquilo que acreditamos que deveria ser. E assim continua o desenvolvimento da ciência, para o qual espero dar minha humilde contribuição.

4 comentários:

Maico Bernardes disse...

Muito perspicaz sua observação sobre o paralelo normativo x positivo / ortodoxo x heterodoxo. E muito sensata a conclusão de que toda ideia contribui. Muito bom, Wagner!

Rocker disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lucas disse...

Wagner, seu texto me fez lembrar os motivos pelos quais eu gostava de estudar economia, e que me mantiveram no curso por 2 anos! Dá pano pra manga isso aí, um dia que sentarmos pra papear...

Inês disse...

"O pequeno ensaio acerca da Desprezada" me fez lembrar de uma frase do escritor português José Saramago: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara". E de fato é incrível, como certas ideias ou acontecimentos quando analisados sobre um viés mais cuidadoso atingem outra dimensão. Eu, ao contrário do autor do blog, atribuiria ao espaço menos a característica de "non sense" e deixaria a qualidade de "deleite" em evidência. Isso porque certas reflexões nos remetem, às vezes, a crescimentos impensados e que seriam (por que não?!) deleites para a alma.

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