sábado, 9 de janeiro de 2010

Solidariedade ofuscada: qual a natureza do comportamento humano?

Estranho o título dessa postagem? Mais estranha é a inspiração que tive para fazer essa postagem.

Esses dias, de passagem pela televisão, percebi que o Manoel Carlos tem finalizado todos os episódios da sua atual "novela das 8" de uma forma peculiar: com "depoimentos de superação". Apesar de não acompanhar novelas e não ter apreço algum por elas, esses depoimentos me fizeram pensar uma coisa. Atento não para aqueles que falam de doenças ou superação pessoal, mas aqueles que tratam de solidariedade.

Reparei que, por mais louváveis que fossem as atitudes daqueles que aparecem falando de iniciativas solidárias consistentes, a maioria, senão todos eles partiram para perseguir esses projetos depois que alguma desgraça tivesse incorrido na vida deles. Um exemplo: uma pessoa que se tornou cientista social que trabalha em prol das pessoas com distúrbio alimentar que passou a perseguir o projeto após sofrer ela mesma um distúrbio de tal natureza. Isso parece nos indicar que o ser humano, para que possa desenvolver sua solidariedade, deve primeiro incorrer numa desgraça.

Palavras fortes talvez, mas parece verdade. Hoje temos muitas iniciativas solidárias, desenvolvimento do terceiro setor, organizações consistentes mundo afora, mas que parecem, a maioria delas, ter aparecido depois que o perigo bateu à porta. Ampliando esse raciocínio para uma forma bem macroanalítica, algo me parece sinalizar que o sistema capitalista, tipicamente individualista, só dará lugar a um sistema mais cooperativo depois que uma grande desgraça global acontecer. E isso, evidentemente, não vai ser uma desgraça financeira, mas, no meu ver, uma desgraça ecológica, ou mesmo uma guerra nuclear, por exemplo. Várias desgraças já ocorreram, mas nenhuma global o suficiente para aterrorizar a humanidade inteira e forçar uma mudança de paradigma.

Será o ser humano indivualista por natureza? Creio que não. Sou adepto de uma visão na qual o ser humano tem faculdades potenciais. Ele pode pensar invidual ou coletivo, cabe saber a forma social que o condiciona de uma ou de outra forma. A forma capitalista da economia de trocas força um pensamento individualista, mas outras formas podem conduzir a um pensar coletivo. Ou mesmo o próprio pensamento coletivo pode levar ao desenvolvimento dessas faculdades na criação de um novo paradigma.

Esses foram alguns apontamentos apenas que me ocorreram nessa cabeça, mas gostaria muito de discutir isso, mas tentar chegar a algo mais conclusivo. Mas vamos pensar, um sistema cooperativo deve sua existência a, basicamente, um aspecto apenas: a tomada de decisão conjunta da sociedade em prol da defesa de sua própria sobrevivência, pois esse é o imperativo que, em teoria, deveria guiar todas as ações (o que não parece mais tão evidente hoje). Ainda creio que esse imperativo exista, mas está ofuscado. Vejam: ações solidárias existem, mas não estão acontecendo com a lógica intrínseca, nem de forma global, nem mesmo por agentes sociais heterogêneos o suficiente.

Esse desenvolvimento do comportamento solidário "reflexo" pode não ser o caminho para um novo paradigma, que cedo ou tarde emergirá, mas é preferível não esperar para ver a desgraça acontecer.

Acho que escrevi demais a palavra "desgraça". Vou colocá-la como marcador dessa postagem.

4 comentários:

Kamilla disse...

Querido,

Gostei bastante dessa sua postagem... até porque as desgraças do povo no final da novela pegam no meu psicológico...
Mas acredito também que a individualidade não seja nato ao ser humano...a cultura cristã ocidental dissenou durante muito tempo esse ideal individual... mas que nos ultimos anos tem se revisto isso, será?
as vezes eu penso que a solidariedade seja apenas uma maneira de ficar com a consciencia tranquila e claro!!!! abater a dívida no IMPOSTO DE RENDA....

Maico Bernardes disse...

Ótima postagem Wagner, parabéns pela iniciativa.
Tenho pensado bastante sobre tais questões ultimamente, a discussão sobre a natureza humana é um tema que muito me atrai. Em grande parte de minhas reflexões busco contestar a ideia tão cara aos "teóricos do capital" de que o homem é inerentemente egoísta, sempre em busca do melhor para si e blá blá blá. Antes de lançarem isso por aí, que me expliquem a natureza das comunidades indianas obliteradas pela fúria imperialista britânica, ou de qualquer uma das tribos que sequer possuem em sua estrutura linguística denominações para ações ou sentimentos característicos de uma sociedade capitalista. Por fim, concordo plenamente com sua conclusão. Também receio que a "desgraça" seja o úinco motor eficaz da tão almejada mudança...

SpaceWagner disse...

Na verdade eu realmente creio que somos capazes de antecipar a desgraça...já estão pipocando muitas alternativas interessantes mundo afora! Afinal a mudança de paradigma precisa ser pensada, ela não vai emergir naturalmente!

O problema é que diante da conjuntura atual fica difícil enxergar uma mudança de paradigma sem que haja um fator suficientemente destrutivo capaz de causar um baque mental global...

Mas, sejamos otimistas, precisamos acreditar e agir!

karen krull disse...

Acredito que o humano comtemporâneo necessita de estímulos ou ele não faz qualquer progresso, estagna. Por isso que apenas depois de ter sofrido algo ou se ver muito envolvido em tal meio é que vem a iniciativa, porque ele está estimulado.
Me parece que o instinto de proteção da espécie se resume a famílias, "cada família é uma espécie diferente" e ainda sim vejo muito esse instinto de proteção balançado.
Nessa sociedade o humano não tem que se proteger de outras coisas a não ser de seus iguais. Por que ajudar seu "inimigo" dormindo na rua se ele está lá pra você pensar "ganho mais dinheiro que ele, minha vida é mais feliz que a dele"
O capitalismo se dá por comparações e o instinto natural do homem que cresce nele é estar melhor que os outros, não ser mais pobre, "menos feliz" ou estar no mesmo patamar.
De fato esses depoimentos são uma forma de estímulo, mas aí você pensa no programa de uma hora com conteúdo altamente fútil que acabou de passar e pensa: O que será que estimulará mais as pessoas, a "novela capitalista" ou o depoimento humanitário de 1 minuto?

Abraços Saudosos!
Karen Krull